A possibilidade do menino Dodó sair de Ipirá, naquele primeiro momento, esvaziou-se, mas nem por isso parou a carreira promissora do tocador de zabumba. A sua grande chance foi dada pelo sanfoneiro Chiquinho do Acordeão, que o convidou para tocar no Coió de Anália e, a partir do instante em que o menino Dodô assumiu a titularidade do zabumba, no trio de Chiquinho do Acordeão, esse Coió de Anália ganhou fama e virou uma atração fatal.
O Coió de Anália ficava numa rua que desce para o tanque de Santana. Tinha uma sala na frente, onde funcionava o bar, que só vendia bebida quente. Aos sábados, quando os coronéis e os profissionais liberais faziam côrte no salão, comprava-se gelo no bar de Carlito e vendia-se cerveja e conhaque, nos demais dias era pinga com cassutinga e outras lasca de pau em infusão. Na parte posterior ao bar havia uma salão de dança, que era estreito e comprido, sendo que, junto ao bar ficavam algumas mesas e cadeiras, na extremidade oposta, bem junto à parede, postava-se o trio tocador.
Nas paredes ficavam colocados quatro lampiões, que eram acesos quando as lâmpadas elétricas davam o primeiro sinal de que o motor gerador de energia para a cidade estava perto de ser desligado. Nas laterais ficavam bancos compridos de madeira, onde as mulheres sentavam no aguardo da côrte e do cliente, que era o principal objetivo.
O Coió de Anália rivalizava com o Cabaré de Nascimento, mas com a apresentação do menino Dodó, o cabaré foi sendo engolido pelo coió. As mulheres apresentavam-se empiriquitadas, perfumadas com água de cheiro; batom nos lábios; ruge no rosto, quase sempre de forma berrante e, sentadas, aguardavam o chamamento para a mesa, o que significava gastança; para uma parte na dança, que se tratava de um esquenta rabo ou para a cama, que garantia o sustento da carne.
Desde quando o menino Dodó começou a apresentar-se no Coió de Anália que a casa andava abarrotada de homem. Era um verdadeiro amontoado de homem acotovelando-se, espremendo-se, disputando e puxando as mulheres para o forró. Isso tudo, transformava aquele lugar num ambiente pesado, fumacento, calorento, com o suor humano deixando uma catinga desagradável; com o bafo quente tornando o ar preso e repugnante, ao tempo, que subia uma fedentina exalante.
Quando o forró esquentava, os mais salientes apresentavam-se para tirar as mulheres dos bancos e encaminhá-las na dança. Os mais tímidos ficavam na espreita como cobra no bote, quando a mulher levantava, iam lá e batiam no ombro do parceiro e diziam:
- Mi dá uma parte.
- Mas eu peguei agora !
Mas cediam, porque era um costume impregnado ou porque a negação era entendida como uma afronta e poderia terminar em briga; assim, a timidez marcava posição e desbancava o atrevimento e, esse ato, repetia-se por toda a noite, de forma que “ bater no ombro e solicitar uma parte” virava uma febre no forró do coió.
As mulheres do Coió de Anália não ficaram satisfeitas com aquela situação e resolveram não comparecer ao salão, que estava lotado de homem. Anália percebeu uma queda nos rendimentos do bar e procurou as mulheres, que estavam deitadas, sentadas, no cochicho, algumas cochilando, umas catando piolho nas outras, no maior desprendimento e folga do mundo. Anália quando viu aquela resenha, não pensou duas vezes e disse:
- Oxente, cambada de vadia ! Quem já se viu tanto xibiu junto sem trabaiá ?
Foi mesmo que mexer num vespeiro. Galega levantou e disse:
- Tem quinze dia qui os zome só qué ralá coxa, ninguém leve uma mulé prá riba de uma cama. Quem é qui vai guentá isso ?
- O coió é qui num pode ficá nus prijuizo. Quem já si viu isso ? O coió ta abarrotado, pudendo tê boa vendage de conhaque e cerveja, de repente, as quenga arresorve caí im ritirada e os zome fica na reclamação i sem querê gastá – disse Anália, a dona do coió.
- I di qui adianta a gente fazê salão no coió si isso num rende um réis prá gente ? Prumode da friguisia só ficá no rala-coxa – disse Galega.
- Quem manda vosmicês num sabê se assanhá e laçá os zome. Assunte qui ta chuveno home e vosmicê num sabe laçá um. VORTE LOGO PRU SALÃO E É TODO MUNDO – gritou Anália.
O quê ? – Indagou alguém.
O fuzuê estava comendo no coió, enquanto isso e sem saber de nada o menino Dodó tocava e os homens ficavam olhando, com os olhos pregados no seu repique. O menino Dodó jogava a baquete para cima e metia o refrão: “Chega pra lá jacaré, eu gosto é de mulé.”
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