Depois de uma aventura de um mês de viagem, o zabumbeiro Dodó, o sanfoneiro Zé do Norte e o tocador de triângulo Chico de João Galego, chegaram ao Paraguai. Nesse período de deslocamento desvairado, o que mais deixava o zabumbeiro satisfeito era quando traçava uma vara de pão com lombo dentro e ficava com a pança cheia. Foi uma viagem que demorou além da paciência.
O trio tinha chegado à cidade de Santa Fé, sendo que o zabumbeiro estava atento a todas as novidades que seus olhos presenciavam e comentava com o sanfoneiro:
- Seu Zé! Isso aqui é o istrangeiro? Essa gente daqui tem a língua embolada, num intendo nada do qui eles fala cum essa língua intortada.
Foi a partir desse momento que o zabumbeiro Dodó ficou fascinado com aquela forma estranha de falar e que ele tinha contato pela primeira vez e nada entendia. Pensou, também, em embolar a sua língua. Conversava com o sanfoneiro Zé do Norte, dizendo:
- Seu Zé do Norte! Eu não assuntava que o istrangeiro era tão istrombolicamente longitudinalmente distantemente nu fim do mundo.
- Fica na tua zabumbeiro – disse o sanfoneiro Zé do Norte, olhando desconfiado para a cara do zabumbeiro.
O trio foi contratado para tocar num cassino, como estratégia para atrair brasileiros. Na primeira apresentação o zabumbeiro Dodó acrescentou um gingado diferente no corpo, e chamou muita atenção dos paraguaios, ao ponto do presidente de um clube recreativo da cidade contratá-los para uma série de apresentações que poderia virar uma temporada de shows.
O zabumbeiro Dodó batia na zabumba de forma singela e carinhosa, sendo que o som arrancado era místico e envolvente, ao mesmo tempo, contorcia o corpo como uma cobra saliente, sedutora e atraente em movimentos precisos e com um molejo fascinante, enquanto batia com a mão direita e a esquerda fazia trejeitos na cintura, ao tempo que, o quadril exagerava no rebolado. O zabumbeiro mostrava atrevimento e numa ação meticulosa, apresentava uma performance que chamava a atenção pela liberalidade exagerada, que era tomada como desrespeitosa por uma gama de pessoas e em gestos libidinosos o zabumbeiro conseguiu a fixação dos olhares presentes, da mesma forma, que a rejeição de muitos comprimia-se com deleite e gozo sensual de outros tantos.
Os paraguaios esboçaram uma reação até certa forma amistosa, principalmente devido ao contrapeso da música que conseguia agradar e prendê-los no campo emocional, mas não deixaram por menos e começara a surgir sussurros, que viraram gritos: “Brasileño el maricon”
O zabumbeiro não entendia o que eles falavam, mas pela sua percepção e na forma que compreendia o mundo, sempre levado pela dedução e sem os resquícios de um método de reflexão e racional mais apurado, entregou-se ao deleite de achar que agradava ao público com aquela dança maliciosa, adicionada ao seu capricho emocional ao tocar a zabumba; pensava: “os istrangeiro ta apreciando o maior zabumbeiro do mundo e as mulé ta tudo apaixonada pur mim, e os zome ta tudo admirado e cum inveja de meu sucesso e de minha fama”.
Quando tocava ou parava a apresentação, nas ruas e em qualquer localidade por onde passava o zabumbeiro Dodó ouvia o tal do “maricon” pela boca dos rapazes e meninos.
Ele gostou daquela palavra, que ele não sabia bem o que era, mas tinha uma fonética que ele apreciava, porque achava que tinha musicalidade e aos poucos, de tanto ouvir e achar que era um apelido elogioso, terminou por incorporá-lo ao seu nome.
Risos! Risinhos e sorrisos. Os estrangeiros de Santa Fé não perdiam a oportunidade de atirar o “maricon” em direção ao zabumbeiro, que por sua vez, tinha adotado aquele apelido como nome artístico, quando disse para o sanfoneiro Zé do Norte:
- Seu Zé, meu nome de língua imbolada vai sê Dodó Maricon.
O zabumbeiro Dodó Maricon estava no auge do estrelato. Onde ia era alvo de todas atenções. Todos apontavam para ele e falavam o seu nome. As apresentações estavam à cada dia mais concorridas e a grande atração era o zabumbeiro. Das mulheres Dodó só enxergava os sorrisos e os olhos apaixonados. Não perdeu tempo, partiu para cima das mulheres de língua embolada e foi dizendo à todas que lhe desse uma oportunidade:
- Eu vim andando do Brasil até aqui, foi muita légua pra tirá na percata, mas quando eu botei os olhos em sua beleza, eu assuntei que por muitas léguas eu não vi nada igual, por isso eu tô com o coração derretido prá tuas banda.
A paraguaia olhava para o zabumbeiro com um ar de surpresa, principalmente por não ter entendido nada, mas indagava solícita:
- ¿cual tu nombre¿
O zabumbeiro Dodó cheio de autoridade e de si, não perdia a oportunidade e mostrava que era conhecido e fazia sucesso, ia dizendo:
- Eu sou o maior zabumbeiro do mundo, faço show ali no cassino e meu nome é Dodó Maricon.
A mulher franziu a testa, entortou o pescoço e com ar de zombaria foi dizendo ao zabumbeiro, ao tempo que não queria mais conversa e ia saindo:
- No mi gusta maricon, no mi cai bien.
No parecer do zabumbeiro se esse fato tivesse ocorrido uma vez só estaria de bom tamanho, mas pela incidência de ocorrência de forma contumaz, ele foi fazer queixa ao sanfoneiro:
- Seu Zé! Eu tenho uns adiantamento prá prosear com vossa istrobicência, as coisa não istão no prumode qui divia istá, já queixei umas trezenta mulé da língua imbolada e nenhuma deu bola pra mim.
- Tem arguma coisa qui tá sem combinação pra tuas banda. Lá eu vou saber o que deve ser?
A apresentação do trio estava no primor das grandes produções e o zabumbeiro remexia muito além do costume. A platéia de homens estava delirante e fervilhava a gritaria de “maricon” por todos os lados. Aí era que o zabumbeiro requebrava. Um paraguaio mais afoito aproximou-se do zabumbeiro, chamou-lhe de maricon e correu o dedo no fusquete de Dodó. Era o que faltava. O zabumbeiro foi até o camarim e pegou um facão, deu duas sarrafiada pelo chão e a lasca de fogo parecia um raio cortando o ambiente. Dodó dizia:
- Vem rebanho de cabra safado corrê o dedo no meu ás de copa qui eu dou o de vocês, rebanho do qui não presta. Eu arranco a tripa desse rebanho de uma só xapuletada, vem qualquer um cabra safado desse aí passá o dedo no meu chico, qui vocês vão o qui é home arretado, pra torá essa raça de língua imbolada na ponta do facão.
Não ficou um paraguaio no cassino, correram todos para o quartel do exército paraguaio, onde anunciaram que um brasileiro armado até os dentes, com bazuca, metralhadora, bomba atômica e outras armas de exterminação em massa estava desafiando os paraguaios e dizia que ia acabar com a raça dos los guaranis.
O exército paraguaio não pensou duas vezes. Era uma nova Guerra do Paraguai. Cercaram o cassino com as tropas e foi uma chuva de bala para cima do prédio. O zabumbeiro estava enfurecido e mostrava uma coragem extraordinária:
- Deixa eles intrá seu Zé do Norte, eu morro, mas não levo menos de mil dessas peça do Paraguai.
Depois de quinze dias de luta, o sanfoneiro conseguiu sair com um lenço branco para atenuar o duríssimo combate e fazer uma trégua. O Itamarati mandou uma equipe de embaixadores para solucionar a grande contenda e depois de uma semana de intermináveis conversações, chegaram a um acordo e o zabumbeiro recebeu um salvo conduto para sair do Paraguai e voltar para o Brasil. O zabumbeiro não perdeu a oportunidade para comentar com o sanfoneiro Zé do Norte e o conjunto de embaixadores:
- Essas peça do Paraguai ta pensando o que? Esse zabumbeiro aqui é um cabra virado da disgraça, qui não tem medo da cara da fome, nem do fucinho de carcará, aqui é filho de Pijú, irmão de Taco Roxo e parente de Lampião, nascido em Ipirá, terra de cabra disembestado, qui não tem medo do capeta, muito menos desses Zé Preá, se passar o dedo no meu furico, eu lasco o facão no bucho de um corno desse.
- Calma seu zabumbeiro Dodó Maricon, se V.Exa. agir assim, V. Exa. vai provocar uma contenda internacional de alta proporção e de grande extermínio, nosso país preza uma boa convivência com a nossa vizinhança – disse um embaixador brasileiro.
- Maricon uma disgraça. Comigo eu boto é prá lascá, quem for home nessa disgraça qui venha passá o dedo no meu furico, prá vê se eu não istrepo uma viana na barriga de quarqué safado. Eu tenho que prezar é o meu chico, esse sim é que não pode sofrer uma invasão e comigo é assim, eu não corro nem do raio da silibrina, qui dirá de um rebanho disimbestado de língua imbolada. E tem mais uma! Não quero qui ninguém me chame de Dodó Maricon, eu sou é Dodó de Pijú e não tem prá cabra safado nenhum qui diga qui eu não sou e quem se atrevê eu arranco a língua com essa pexeira.
Entraram no território brasileiro e os embaixadores brasileiros sentiram um alívio que limpou a alma e removeu todas as preocupações, ao tempo, que comentaram entre si:
- Eu nunca presenciei um sujeito tão corajoso e valente como esse zabumbeiro Dodó, é um só belicoso que vale mais que toda infantaria brasileira, sem exagerar um só milímetro - disse o embaixador João Carvalho Merquior de Mendonça.
- Não tenho a menor dúvida, essa foi a questão internacional mais delicada e complexa com que a diplomacia brasileira se defrontou em sua existência. Vamos registrá-la em todos os seus pormenores nos anais da nossa gloriosa diplomacia para servir de orgulho ao nosso povo brioso e valente, de forma a mostrar o brilho da nossa capacidade de reverter uma catástrofe mundial com a excelência de um diálogo profícuo e focado na paz entre as nações – disse o embaixador Everaldo Chelque de Andrade.
Fantástico, Hilário, grande conto, parabéns. Gostaria de ler mais.
ResponderExcluirAquela em que Roque Leão saiu dando tiros em Dodó da zabumba que"se borrou" todo indo parar em pintadas, foi o máximo. Aliás Agildo, pergunta ao nosso maior zabumbeiro como foi a estória de um "pé de cana" dos mais brabos que tem em Ipirá, que convidou Dodó prá "tomar uma" nas Casas Populares as 8 horas da noite no boteco de "Zé do dia". Ao chegar, pediu 2 abaíras e chamou Dodó,passou o braço no pescoço dele(DEU UM "GANCHO" NO ZABUMBEIRO) e lhe disse: vou lhe contar um caso...O tal caso varou á madrugada quando o "BEBUM"pegou no sono e ´so assim por volta das 3 da MADRUGA,Dodó "se safou" do tal "ABRAÇO", mas ficou
ResponderExcluircom o pescoço duro por mais de 15 dias e o que é pior:SEM PODER BATER SUA FAMOSA ZABUMBA.