E agora, Fadigas? Com a devida precisão, eu posso afirmar,
não votarei nem no jacu nem no macaco; nem em Santo Pedro nem em São José; nem
no Diabo nem em Satanás, como vocês queiram. Aliás, esta questão do voto está
nos limites da consciência ou da inconsciência de cada pessoa e a sua
propagação não se faz necessário, mas as circunstâncias forçam certos
esclarecimentos, sendo que, encerra-se o assunto.
Certas recordações são fantásticas. Fadigas era guarda da
Sucam e tinha por desregramento habitual, obstinado, chegando a ser uma
teimosia da qual ele não conseguia escapar, fazer uma fezinha no jogo do bicho.
Fazia-o diariamente, não perdia uma corrida. Tinha o hábito de fazer seu jogo
com Neném Maçarico, sempre trazia um sonho para ser decifrado e o cambista, com
sua experiência e perspicácia, sempre dava um jeito de chegar a uma dezena.
- Seu Neném! Eu tive
um sonho meio encabulado. Sonhei com um jegue carregado de açúcar na ladeira da
Caboronga, sem dono e sem tangedor. Qual é o grupo? – quis saber Fadigas.
- Seu Fadigas! Não
adianta esperniar, o jegue tem quatro patas, quem desce e sobe ladeira é
bicicleta, quem vende bicicleta é a Radiofone, a Radiofone é de Arapiraca, o
número da loja de Arapiraca é 75, então jogue 75 uma semana sem saltear que vai
dar.
Passaram-se trinta dias e nada. Fadigas não falhou um dia, o
palpite de Maçarico falhou trinta. Fadigas foi a Neném e reclamou, com razão,
evidentemente.
- Mas, seu Fadigas! O
senhor disse que o jegue estava na ladeira da Caboronga, não falou se estava
parado pra mijar ou esperando uma jeguinha; não falou se estava deitado prá
descansar; não falou se ia prá riba ou de cabeça abaixo; não falou se o açúcar
era prá comer ou vender; não disse nada disso, então, quem está na ladeira quer
subir ou descer e quem sobe e desce é bicicleta, sendo desse jeito, eu estou
certo e o seu sonho atravessado.
- Certo o quê, seu embusteiro de primeira linha! Eu vou agora
mesmo dá uma queixa sua ao delegado Felix Mota.
Fadigas soube que em matéria de decifração de sonhos, dona
Hosana era a especialista do lugar, acertava todas e não errava nenhuma.
Tomando conhecimento desse fato, Fadigas dirigiu-se a dona Hosana, narrou-lhe o
sonho e deixou-a pensativa, muda e concentrada por um bom tempo.
A casa de dona Hosana era uma espécie de santuário, durante o
período natalino ela armava o presépio mais visitado na cidade e o resto do ano
transformava-se no oráculo que detinha os segredos e comunicava os desígnios
dos sonhos, também, interpretava os mistérios dos pesadelos humanos. Depois de
longas horas de espera, Dona Hosana voltou a falar:
- Vosmicê me diz que é um jegue, certo? Na ladeira da
Caboronga, certo? Carregado de açúcar, certo? Adveras de seu sonho sonhado tem
muito a levar em consideração que açúcar vem da cana e cana tem nó e o jegue
tem venta, vosmicê pode seguir sem pestaneja o noventa.
Fadigas deu um pinote e com confiança plena não parou de
jogar, era noventa todo santo dia. Dona Hosana era dessas figuras carismáticas
que enfrentava a vida pelo lado das suas dificuldades, mas sempre com a
generosidade e a sabedoria que a vida nos dá, não deixando de dá suas estocadas
sobre a existência humana: “ A inteligência é larga e percorre caminho; a
burrice está amarrada num mourão, presa a uma paixão, não sai da rodilha, pensa
que sabe e não sabe o que pensa.” Assim, dona Hosana passava os dias entre a
sabedoria e os sonhos. Fadigas jogou a dezena noventa por tinta anos, cansado,
desistiu numa quinta-feira, na sexta, noventa bateu no primeiro prêmio, deu o grupo
do jumento, burro, jegue e semelhantes.
Esta estória deixou-me com uma certa impressão esclarecedora,
porque comecei a ter uma visão mais abrangente e botei meu raciocínio para
andar, comer poeira, como se diz no sertão, daí eu não ter a menor dúvida: se
eu tiver pela frente um jacu e um macaco, eu prefiro o jumento, basta
simplesmente, eu digitar 90 e confirmar. Assim vai ser, assim será.
Eu quero ver o jumento governando essa terra. Não prego voto
nulo, porque na proporcional o meu voto é revolucionário, será dado com muito
orgulho, eu não abro nem para um trem carregado de bomba atômica e no comando
deste voto está Arismário. Disso ninguém tenha a menor dúvida.
Um alô para seu Tineck! alô Nei Beleza! Um alô para tantos
outros que assim queiram caminhar! Faço o que posso e posso pelo que faço.
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