Através das narrativas e celebrações ocorreram de maneira clara e bem intencionada a ocultação e o silenciamento do passado, que foi posto de lado, em cadeiras brancas de plástico. Um esquecimento? Não, mas simplesmente a vontade de fingir que o passado não existe.
Ipirá, década de 1950. Só existia o curso primário, compactado no
prédio da grande (para a época) escola Góes Calmon. Mandar os filhos para
fazerem o ginásio (anotem bem, o ginásio) em Salvador era privilégio de duas
famílias (só e somente só). Alguns comerciantes mandavam seus filhos estudarem
no internato em Jequitibá (Mundo Novo), mas não passava de uma rural de
estudantes.
E a juventude ipiraense deste período? Estava sujeita e presa ao destino
traçado pela migração forçada em busca de ‘calça de veludo ou bunda de fora’.
Não havia oportunidades (no plural). Era empurrada para o trabalho na
construção civil e no setor de serviços na cidade grande, de preferência Rio de
Janeiro e São Paulo. Ninguém pensava em estudar, nem sonhava com isso. Era somente
trabalho para a dura sobrevivência. Estudar era um sonho impossível (pense em
seus avós e seus pais e faça uma reflexão).
Ipirá, década de 1960. Em 1961, um raio abençoado caiu sobre essa terra
e surgiu o Ginásio Ipiraense (não sei o porque os políticos não se arvoram de
ser o patrono desta criatura) era Cenecista e não era gratuito (uma pequena
mensalidade), que muitos não podiam pagar. Ipirá sempre foi uma terra do sufoco
para as camadas carentes.
E a juventude da época? Continuava à mercê da migração. Para o trabalho
que garantiria a sobrevivência na construção civil, corte de cana e setor de
serviços nos grandes centros sulistas. Com a possibilidade de fazer o curso
ginasial (aqui em Ipirá) ampliou-se as reais necessidades da juventude, mas o
passo seguinte estava travado (não havia o curso colegial em Ipirá). Só e
somente só, seis famílias tinham condições de mandarem seus filhos para
estudarem em Salvador. Algumas outras (contadas nos dedos das mãos) em Feira de
Santana. Os tempos continuavam duros, incertos e imprevisíveis para o jovem
ipiraense.
Ipirá, final da década de 1960 e início da década de 1970. Uma coisa
estava clara, a juventude da época tinha a necessidade de dar continuidade aos
estudos. Ipirá não tinha o colegial (2º. Grau). Como realizar esse sonho e
concretizar essa possibilidade?
Neste período, chegou a maior escola que essa terra já teve, o
Polivalente (1º. Grau). Vai perder essa condição para essa escola de tempo
integral que está por inaugurar. Ipirá, naquele período, continuava carente de
uma escola de 2º. Grau e a demanda tinha aumentado substancialmente com a
chegada do Polivalente.
A juventude continuava condicionada à migração forçada. Neste momento,
por necessidade de trabalho para a sobrevivência, mas com um sonho de estudo
como uma esperança, mesmo havendo grandes dificuldades para compatibilizar as
duas necessidades.
Uma coisa é certa, embora não garantida, a juventude ipiraense colocou
na sua agenda a necessidade de estudo, não só e somente só o trabalho. O estudo
em primeiro lugar, mesmo que acoplado ao trabalho. Salvador, a capital da Bahia,
passou a ser visualizada.
Em Salvador havia a movimentação prol fundação de residências
estudantis na capital. A RUF (Residência Universitária de Feira de Santana) foi
a primeira residência e tinha José Pires Caldas como um de seus fundadores. Em
contato e através do ipiraense Luciano Cintra essa ideia de residência ganhou
corpo e conseguiu atingir mentes e corações. Teve início as conversas e
reuniões. A reunião decisiva teve a participação de Luciano Cintra e Carlinhos
Oliveira (de Bartolomeu), dois baluartes na luta pela residência estudantil de
Ipirá, com o poder municipal (o prefeito na época era Jurandy Oliveira), que se
responsabilizou pelo aluguel.
O próximo passo: a concretização da residência. Na época, em Ipirá,
havia dois grupos de jovens com a intenção de estudar fora, fazer o colegial (2º.
Grau), um em Salvador e o outro em Brasília. O de Salvador comprometido com a
fundação da AEIPI e da residência, queria que recursos arrecadados pela turma
fossem canalizados para a residência. O de Brasília para uma viagem e essa
opção foi a vencedora. O grupo de Salvador foi contemplado com a residência,
conquistada com muito esforço e muita luta. Neste momento, já havia muitos
protagonistas.
Rua Joaquim Maurício, 18 – Ladeira da Fonte das Pedras ou Fonte Nova,
Nazaré, Salvador, Bahia. Este era o endereço da juventude de Ipirá.
Uma comunidade ipiraense para enfrentar o anonimato da cidade grande. O
acolhimento dos que chegavam para os ensinamentos básicos (pare no sinal
vermelho). Mudamos a geografia humana da ladeira. A casa era um dos grandes
clientes do supermercado Unimar (pelo menos na exigência da nota fiscal). Enchíamos
a Fonte Nova no xaréu do clássico Guarani x São Cristóvão, para a surpresa do locutor
da Rádio Sociedade: “a torcida deixou para entrar agora, no final do jogo. Onde
estava essa gente?” Na residência, é claro. A residência serviu de socorro para
pessoas que desmaiaram e ficaram tontas num engarrafamento humano provocado por
um BAVI. Cuidávamos da própria vida e éramos responsáveis por ela.
O trabalho da memória é um passo indispensável. Por mais de meio século
a AEIPI foi construindo sua identidade e a Casa do Estudante de Ipirá tem uma identificação
apropriada com a juventude ipiraense, sacramentada por muitas gerações, dos
mais diversos tempos.
É inegável a dimensão social da residência para a juventude ipiraense, consubstanciada
no número de famílias (simplesmente duas) na década de 50 que mandavam seus
filhos estudarem em Salvador, para mais de dois mil residentes que passaram
pela casa durante sua existência, são mais de 1500 famílias ipiraenses contempladas.
A Casa do Estudante de Ipirá teve a ousadia de dizer não e romper com uma
lógica que predominava em nossa cidade, onde só os filhos das camadas abastadas
podiam estudar na capital.
A residência tornou-se a base da experiência compartilhada por muitos
jovens na busca de um sentido verdadeiro, concreto, com variadas possibilidades
para a casa dos estudantes, até mesmo, essa beleza romântica e literária destacada no
importante pronunciamento do ex-residente Genecarlos Santiago.
Não podemos negar esta semente que brotou por uma necessidade, num
devido e apropriado momento. Não devemos silenciar, ocultar e encaminhar para o
esquecimento uma trajetória de luta e conquistas. São muitas e diversas
interpretações e narrativas.
Na solenidade foi um lapso não colocarem a palavra aos ex-presidentes
de AEIPI que estavam presentes (não fui presidente da casa) eram
representativos.
Foi exposta a narrativa de uma nova etapa da Casa dos Estudantes de
Ipirá iniciada com a gestão do prefeito Dudy “A NOVA CASA” adquirida com 62% de
recursos da prefeitura na gestão Dudy e 32% de emenda parlamentar do deputado
Daniel Almeida, fato não mencionado. Necessário dizer que se trata de dinheiro
do povo.
Evidente que o gestor Dudy resolveu uma pendência que perdurava por
décadas. A gestão passada do prefeito Marcelo Brandão fez a sua parte, mantendo
a casa no aluguel. A gestão Dudy foi mais além, foi mais eficaz e resolveu o
problema de forma categórica e definitiva. Resta aos residentes a devida
consciência pelo zelo e manutenção do patrimônio da juventude das camadas
populares de Ipirá.
Dou uma sugestão. Que os residentes aumentem as regras do Regimento
Interno para coibir qualquer tipo de vandalismo que deteriore a casa e até
mesmo, que seja feita uma comissão de pais de residentes para acompanhar as
condições materiais da residência dos estudantes das camadas populares de nossa
terra. Consciência gente!
Exmo. Sr. Prefeito Edvonilson Santos, quero dizer que V.Exa., está de
parabéns ao adquirir uma casa em condições de oferecer uma vida com dignidade
aos estudantes ipiraenses.
Quero dizer, também, a V. Exa. prefeito Dudy, que mesmo que façamos um esforço gigantesco para recusar em se conformar com o passado, a velha casa do estudante da ladeira, brocada pelo Metrô de Salvador e os escombros da casa do Tororó deixam uma lição bem simples: TETO com liberdade, independência e autonomia representam a dignidade que todas as pessoas precisam e todos reconhecem. Viva a AEIPI; viva a Casa do Estudante de Ipirá.
Muito bom!!
ResponderExcluirNão residi na Casa do Estudante, mas, frequentava muito.
Em 1977 quando fui estudar em Salvador, fui morar/dividir apartamento com os filhos de Sr. Liberato a convite de Dimicinho, os quais foram como uma família para mim.
Era muito bom participar de muitos momentos na casa do Estudante na Ladeira da Fonte Nova.
Muito bom! Fico feliz Agibaldo pelo seu artigo, e na condição de ex-residente, fico agradecido por esta reflexão. E penso que o alicerce desta atual casa, com toda convicção foi construído a partir da Ladeira da Fonte.
ResponderExcluir