Parte 7.
O menino Dodó da Zabumba ficou sem condições de continuar em Ipirá devido ao acontecimento com seu Roque, embora isso já passasse um bom pedaço de tempo, o perdão ainda não estava maduro. Foi para a cidade maravilhosa Rio de Janeiro.
Seus familiares moravam em Madureira e o menino Dodó deparava-se pela primeira vez com uma cidade grande. Tudo era impactante e desnorteador. A primeira aparição foi o mar, coisa nunca vista, muito menos imaginada. A maior aguada que o menino Dodó tinha visto até então era o tanque Velho e desde garotinho, quando tomava banho no tanque, ficava absorvido com aquele gigantismo. Agora diante do mar, encontrava-se arrebatado pela imensidão e sem explicação, exclamava para quem quisesse ouvir:
- Oxente! Essa lagoa engole uns dez tanque Véi.
O menino Dodó estava deslumbrado com o mulherio do Rio de Janeiro. Nunca tinha sonhado que houvesse algo parecido. A cada saída apaixonava-se trezentas mil vezes, virou um libertino. Nunca pensou que seu coração fosse tão fugaz e volúvel. Não foi correspondido uma vezinha sequer. Quando chegou a Copacabana pela primeira vez, sentiu um arrepio e um calafrio ao ver tanta mulher de maiô, não deixou por menos:
- Vixe, minino! Qui as mulé daqui anda tudo pelada. É tanta senvergonhice qui eu não sei porque não vim prá cá a mais tempo.
A televisão ainda não tinha expandido para fazer a unidade nacional. O menino Dodó vestia uma calça batendo no meio da canela e andava serelepe com aquele jeito interiorano e catingueiro. Adorava Copacabana e comparava-a ao paraíso, pelo menos naquilo que achava que não podia faltar em um paraíso de verdade e ali tinha em demasia. Quando via uma carioca começava a babar e um certo dia botou olho gordo em um grupo de patricinha, encheu-se de compenetração e azuretado da vida partiu para cima. Era uma seleção nacional da anatomia humana na sua forma mais esplendorosa e de uma beleza esculpida por mão divina. O menino Dodó nunca tinha visto algo tão glamoroso e apetitoso e pensou: “parece até as codornas que Sabiá mata em Ipirá”. Partiu com sua firmeza inabalável e foi dizendo à primeira que encontrou em sua frente:
- Eu tenho assuntado coisa bonita aqui no Rio, mas nem esse Pão de Açúcar tem a metade da tua beleza e eu quero saber a tua graça.
- Sai de mim baiano, nem de mocorongo eu gosto – disse a garota, que foi saindo acompanhada pelas outras aos risos.
O menino Dodó sofreu aquele impacto, mas foi tomado pelo questionamento: “Cuma é que ela sabe que eu sou baiano? Parece que minha fama já chegou aqui também!”
Passeando por Madureira, o menino Dodó bateu de frente com Zé do Norte, sanfoneiro da região do Pau Ferro, que tocava na Feira de São Cristovão para fazer uns trocados e o sanfoneiro foi dizendo:
- Mas esse mundo é pequeno mesmo, veja só quem eu encontro aqui no Rio, Dodó da Zabumba! Mas meu fio o que é que tu ta a fazer aqui no Rio justamente na hora que eu to na maior precisão de um zabumbeiro arretado. Ta pareceno até que foi o dedo daquele lá di cima qui atravessou vosmicê na minha frente.
Lá estava o menino Dodô na feira de São Cristovão do jeito que mais gostava, tocando zabumba e acompanhando o sanfoneiro Zé do Norte. Atraído pelo som do forró o povo ia chegando e aumentando a concentração. O zabumbeiro Dodó passou um olhar pela redondeza e viu uma lapa de mulher que não tinha comparação. Aí o zabumbeiro ficou saliente, aumentou o repique e as evoluções. Disparou um torpedo pelo olhar e foi correspondido. Aí o zabumbeiro endoidou de vez. Piscava o olho e aquele doce olhar derretia-se em sua direção. O zabumbeiro tentava puxar a musicalidade e cantava: “É hoje que eu só chego amanhã”. O sanfoneiro retrucava: “fica na tua zabumbeiro, é ipsilone,” e fazia “é ipsilone, hum, hum, hum, ipsilone”. O zabumbeiro ficou atrevido, não tirava o olhar, parecia enfeitiçado. O sanfoneiro, sem parar o som, ia acotovelando o menino da zabumba e falando: “sai debaixo zabumbeiro, tu ta escorregando na banana, depois tu não diz que a sanfona não te avisou”. O zabumbeiro estava rezado, parecia que tinha o coração cravejado por um milhão de flechas, pulava, rebolava, esperneava, era uma presa enlouquecida de um amor arrebatador. O sanfoneiro cantava, falava, chegou até a improvisar uma música para tirar o zabumbeiro da paixão desvairada: “a periguete ta atravessada, ela não é aranha, ela é espada”. O zabumbeiro estava hipnotizado e contrapôs com sua cantoria: “ Deu mole, eu vou atrás, um rebolado desse eu não perco mais”. Assim que a lapa de mulher saiu, sorrateira, piscando o olho e sorridente, o zabumbeiro foi atrás.
O zabumbeiro foi logo puxando conversa: - Você é a coisa mais linda desse mundo.
- Rum, rum – murmurava a lapa de mulher.
- Com você eu quero ser o homem mais feliz do mundo, quero atingir as mais alta altitudes do prazer.
- Hum, hum – continuava murmurando a lapa de mulher.
- Oxente, coisa linda! você não fala não? Só fica aí, rum, rum, rum! – perguntou o zabumbeiro, que partiu para o ataque mostrando atitude.
- Vem meu zabumbeiro serelepe que a tua flor desabrochada ta te querendo todinho – disse a lapa de mulher.
O zabumbeiro Dodó sentiu aquele calafrio e indagou:
- Oxente! Que voz grossa é essa no meu cangote ?
Mas estava esfogueado e correu a mão, ai deu um pinote, parecendo mula que costuma empacar, perdeu a voz, a vontade e tudo mais. Sacudiu a porrada na zabumba e foi andando de costa, ao encontro da sanfona, aí o forró foi sacudido, no capricho e na autoridade. O zabumbeiro foi dizendo: “ mas sanfoneiro, as mulé daqui gosta tanto de xeeém qui anda cum uns móio de cobra dentro das pernas”, o sanfoneiro não perdia tempo e mandava vê: “xeeém, hum, hum, xeeém, hum, hum, xeeém! é traveco meu zabumba”. O zabumbeiro arregalava o olho, nunca tinha visto isso, e dizia: “só vendo prá crê, meu sanfoneiro. O cão é quem fica aqui, eu vou cair fora, vou para o Paraguai”.
O sanfoneiro completava: “Não é que nós vai! sanfona, zabumba e triângulo é bicho de dá em doido, em quarquer lugá, na Bahia, no Rio e no Paraguai, e lá vamos nós, agora é no Paraguai meu povo, pode aguardá que a gente manda notícia de lá. Xeeém, hum, hum, xeeém!”.
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