Uma ambulância na porta da
residência. Uma equipe formada por médicos, enfermeiros, psicóloga e técnicas
analisando o quadro clínico. Leta (minha irmã) levantou a mão e apontou em
minha direção: “eu quero ouvir de você; é com você que estou falando: minha voz
está embolada?”
Como respondê-la? Com palavras
precisas, diretas e cartesianas que não deixassem dúvidas. Não sei, se tem que
ser desse jeito! Gostaria que tivesse o formato de uma poesia; de um poema bem
construído ou um xote leve e solto. Um xote das meninas para Flor e Serena, com
a graciosidade de Nicole e Gabriela.
Como esquecer do menininho
Vitinho? Jamais! Leta (Aliete) comentou que ele era “um rapazinho” e contou-me
que diante de um barulho assustador, o pai do rapazinho correu para a sala e
deu de cara com a maior desordem: pratos, copos, xícaras e tudo o que era de
louça, quebrados pelo chão, juntamente com facas, garfos, colheres e outras
coisas mais espalhadas no piso da sala. Uma pergunta: “o que foi isso?” Com uma
resposta: “uma barata, pai!” A barata não morreu.
A resposta seria extremamente
suficiente, caso utilizasse o grunhido da pequenina Serena ao ser alimentada
pelos pais; no momento em que a comida é engolida, a pequenina emite um som
avisando que quer mais comida em sua boca, como um filhote de passarinho no
ninho, abrindo o bico para comer, impaciente e frenético, enquanto os
pássaros-pais colocam a comida em sua boca.
Nada mais doce, belo e sublime do
que essa natureza simples da vida e mesmo assim, a loucura insana dos poderosos
do mundo fica querendo acabar com a simples natureza da vida deixando as
baratas vivas sob escombros provocados por uma guerra nuclear (que não
aconteça), pois baratas não possuem recursos para lembrar da odisseia da
humanidade no planeta Terra. Seria o fim.
Digo isso, porque há 69 anos, Leta
(Aliete) aparecia no planeta Terra para fazer uma travessia delicada, por uma
estrada com ponte estreita e escorregadia. Colocou seus pés na terra e deu
passos imprevistos, inseguros e singulares, ao tempo que, foi construindo com
as mãos e muita sabedoria, um tapete que era costurado e alinhavado com
maestria, naquilo que tem validade garantida, permanente e é frutífero para a
condição humana na face da terra, pois trata-se de fazer e garantir o tempo da
amizade e da solidariedade.
No hospital, na cama de um leito,
sem restrição de visitas, olhares atentos, uma médica à posto, a paciente
Aliete (Leta) fez a pergunta que estava atravessada na sua garganta: “doutora!
Essa voz embolada é por causa da metástase?” Ao ouvir o sim da resposta, ela encontrou
a precisão do problema, com a clara revelação do enigma, o epílogo estava
definitivamente desvendado: os dias estavam contados, seriam próximos e breves.
Esta era a configuração da situação.
Uma guerra tinha sido estabelecida
no corpo, na individualidade orgânica. Um exército de células desarranjadas,
desarrumadas estava em ação, foi tomando espaço e ganhando terreno. Tratava-se
de uma conquista agressiva, violenta e virulenta.
Células indomáveis, contaminadas e
deterioradas propagavam-se de forma célere e acentuada atacando por dentro e de
forma silenciosa as células boas. Avançavam de forma propícia, natural e
impiedosa, utilizando-se dos caminhos, canais, túneis e redes capilares,
arteriais e veias iam conquistando, quebrando o sistema imunológico, mantendo
posição e massacrando.
Células nefastas, desfiguradas,
deformadas e desequilibradas atuando na conformação de um exército forte, sequioso,
poderoso e esmagador estavam atuando no corpo da natureza celular fazendo um
embate decisivo, de vida ou morte dentro do campo naturalmente contraditório da
própria natureza. Um conflito entre células boas contra células deprimentes.
Uma luta encarniçada dentro do
campo da natureza biológica e humana. Maldito no campo supersticioso. Severas no
campo da razão humana. Contraditórias no campo das causas científicas. Um embate
decisivo e mortífero. Uma luta intensa e sem limites, com enfrentamento de todo
potencial da medicina, com suas possibilidades e seus limites. Leta era o
centro das operações.
O cerco se fechava de forma
embrionária, nas condições das circunstâncias, na gravidade do problema, na
complexidade da situação e de forma emblemática na maturidade sistematizada dos
postulados científicos deste momento. Fazia domínio de territórios orgânicos,
avançava e colocava nódulos em várias partes; atingiu o cérebro e pressionou a
área da fala. O estado da saúde era gravíssimo.
O momento da situação era muito
delicado; a gravidade era de risco. A medicina não conseguia circunscrever os
nódulos atacantes no seu limite, detê-los na sua expansão, ter exiguidade no
seu crescimento, com posterior murchação e extermínio. Foi mais uma
circunstância que serviu de acúmulo ao conhecimento científico da medicina para
avanços posteriores na cura de enfermidades semelhantes.
A natureza é crua, fria e
contraditória. É dura e difícil, mas é a vida. A fala começou a tomar a
sonorização de grunhidos, como os da pequenina Serena, solicitando alimento e
vida.
Como viver com dias contados? Sem
digressões, sem lamentos, sem soberba, sem avexamento e sem estrionismo. Sem a
condição inexata. Seria a brevidade dos dias um motivo para amargura, desesperos
insuportáveis e intoleráveis?
A vontade e disposição para viver era
forte. Serenidade introspectiva, querida; gostar de bom senso tolerável; paz
dos justos e abnegadas sapiências. Como ter a justeza do que perece no tempo
adequado e próprio? Como ajustar o tempo apropriado aos meandros de um conflito
decisivo marcante?
Agradecemos muito à equipe médica,
com a coordenação de doutora ____________ (gostaria de ter autorização para
postar seu nome neste espaço), pela forte dedicação, pela atuação comprometida,
pela competência na ação profissional da medicina, aplicando-a no rigor do
conhecimento científico, pela generosidade e atenção de toda equipe, que teve
um desempenho de excelência e dentro de um tratamento humanizado, que dignifica
a vida humana.
Agradecemos muito ao plano de
saúde _______________ (gostaria de ter autorização para colocar seu nome neste
espaço), que teve um desempenho digno de nosso apreço e isso não podemos
sonegar.
O que Aliete soube fazer e
realizar com maestria e sabedoria foi amizade e nesse aspecto ela soube viver e
podemos dizer que ela teve uma trajetória com passos sem turbulência, dentro de
uma planificação normal e natural, sem os agravos do ódio e do rancor consumado.
Aliete desde quando engatinhou, deu
os primeiros passos e andou na vida, com seu jeito simples e modesto, praticou
e gostou de fazer amizade; utilizando-se de uma matemática simples com soma e
multiplicação de amizade, esse foi um farol que iluminou a sua passagem pelo
planeta Terra; fazer, costurar e alinhavar amizade foi a sua sabedoria; foi a essência
do seu dom de viver, conduzido com régua e compasso nos limites de uma
trajetória de vivencia simples.
Porta aberta, janelas
escancaradas, sempre fazendo um somatório e semeando amizade, esse foi um
processo de conduzir a vivência num simples percurso de juntar e aglomerar
sentimentos numa boa semeadura. Era coisa dela, era a maneira dela, inata,
própria da pessoa.
Não quero falar em epígrafe e
epílogo, porque muita gente sabe e é prova disso, não só eu. Essa carta é para
pessoas no campo da amizade ampla e geral, na esfera da amizade posta e eu
digo:
Aliete mudou de endereço e está
habitando no pensamento de várias pessoas amigas, sinal de que está na lembrança
de cada uma delas.
Esse artigo é um testemunho e foi
escrito com lágrimas, um choro contido e silêncio. Assina comigo, vai!
Eu assino!!
ResponderExcluirEu assino!!!!
ResponderExcluirEu assino
ResponderExcluirEu assino !
ResponderExcluirEu assino!
ResponderExcluirEu assino
ResponderExcluirTexto inteligente,poético e lindo!!!👏👏👏
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirEu assino! Linda homenagem e sábias palavras! 🌹
ResponderExcluirLindo! Eu assino
ResponderExcluirAssino!
ResponderExcluirEu assino!
ResponderExcluirAssinado.
ResponderExcluirAssinado. Amiga de toda vida! Muita luz!
ResponderExcluirEu assino !
ResponderExcluirEu assino !
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