segunda-feira, 21 de abril de 2008


A TRADIÇÃO ENGOLE ATÉ SANTO.

A maioria das pessoas segue a tradição sem, ao menos, fazer uma reflexão, simplesmente submete-se sem indagar o por quê, do mesmo jeito que o gado vai para o tronco, porque não sabe a força que tem. Por isso a tradição é uma força. Escrevo isso porque lembrei-me de uma das primeiras manifestações da doce rebeldia da juventude ipiraense no enfrentamento ao que era imposto. Este foi o primeiro ato.

Estávamos em 1978, em plena vigência da ditadura militar no país e em Ipirá era forte o domínio e a ditadura da tradição coronelística que começava a ganhar contornos caciquistas. Éramos um grupo formado por Bel de Jarinho, Luiz Marques, Dilemar Matos, Raimundinho, Augustinho, Sérgio de Domingão, Dantinhas, Valnei, Besourão, Arismário e eu (fiz um grande esforço para não esquecer ninguém), e determinação era o que não faltava. Estávamos a poucos dias das eleições legislativas e no silêncio da noite fizemos uma das maiores colagens de retratos (Chico Pinto, Adelmo Oliveira, Filemon Matos, Celso Dourado, Luiz Humberto e outros) já vista nesta terra, sem pedir permissão, nem autorização aos donos da cidade. Imaginem o panavoeiro que foi ! E tudo isso num tempo em que a cidade de Ipirá oferecia uma carreta de votos (verdadeiros e forjados) para deputados do carlismo, como Clemanceau e Eraldo Tinoco pelos macacos e Afrísio pelo jacu. Éramos um bando de jovens que queria assaltar o céu com baldes de cola, rolos e escadas. O máximo que conseguimos foi alcançar os muros, as platibandas das casas e um rancor velado dos proprietários do povo por tamanho atrevimento. Tudo isso, porque estávamos indo de encontro à tradição. Mas, valeu a ousadia e o sonho.

É necessário que se diga, que a tradição política de Ipirá tem o ferro do jacu e do macaco, e é essa dobradinha que oprime, controla, despolitiza ou não politiza o povo, e, ainda, ferra a população ipiraense. Esse esquema jacu-macaco é nefasto e deprimente para o povo ipiraense, mas bastante útil e satisfatório para as elites oligárquicas, que controlam o município e para meia dúzia de espertalhões que se lambuzam com as migalhas que sobram do banquete. Conceituamos a tradição jacu-macaco como o ponto do atraso de nosso município e estabelecemos a luta contra esse mal pernicioso como a forma de se estabelecer a liberdade, a participação popular e a verdadeira cidadania para o povo de Ipirá.

A demarcação eleitoral jacu-macaco começa na década de 1970, como um artifício exemplar das oligarquias estaduais se juntarem aos caciques locais para dominarem e manipularem a população ipiraense. Antes disso, no período de transição do controle dos coronéis para o dos profissionais liberais, que se tornaram caciques, havia a definição partidária (PSD e UDN), no regime militar (MDB e Arena). Em meados da década de 70, para acomodar as forças da ditadura, aconteceu a salada-mista da Arena 1 e 2, e nas cidades pequenas a politicagem que controlava a população apropriaram-se desse tipo de denominação (aqui, jacu-macaco) para camuflar o balaio em que estavam metidos e iludir o povo. Era o começo da irracionalidade política e da paixão exacerbada como motivadora das ações. Simplesmente um triste ato.

Para você ter noção da força e do imperativo que é essa tradição, observe que nos dias atuais, em nossa cidade, há quem ache Diomário o "melhor" prefeito que Ipirá teve nos últimos trinta anos, mesmo assim, a macacada não o aceita como candidato à releição. É a tradição quem manda e dá o parecer final. Mesmo o prefeito Diomário controlando o partido em que Antônio Colonnezi está filiado; mesmo tendo o controle pessoal da administração; mesmo achando que ele próprio merece uma outra chance; mesmo achando que tem que dar continuidade a sua administração; mesmo com tudo isso, ele vai ter que acatar e submeter-se à vontade da macacada, e tudo isso porque ele não conquistou sua carta de alforria política. Se ajoelhou e vai ter que rezar na cartilha da macacada, esse é o preço que se paga, a não ser que se tenha coragem (que esta lição sirva também para o PT), por isso, não passou de uma simples peça utilizada e descartada ao bel prazer da tradição, por melhor prefeito que tenha sido.

Para você perceber a força da tradição, só resta frisar que até o PT caiu na tentação de virar macaco, o que, sinceramente, não acredito que aconteça, porque o PT em Ipirá tem um espaço reconhecido na trincheira da resistência e não no bojo do lamaçal. Só resta dizer que vale a pena sonhar e lutar por uma sociedade com vida plena e digna para todas as pessoas.

sexta-feira, 11 de abril de 2008


A FILA DO BANCO DO BRASIL, AGÊNCIA IPIRÁ,
É BOCA DE ... (parte 3)


Você está pensando que eu estou onde ? Onde eu poderia estar ? Encontro-me, ainda, neste momento, na fila do Banco do Brasil, agência de Ipirá. Eu contava justamente a chegada do vagabundo, que era recepcionado por três vigilantes, e para minha surpresa o vagabundo entrou no final da fila como manda o seu dever e antes que a surpresa terminasse indaguei ao vizinho da fila, que estava na minha frente:
- Como é que o pessoal chama esse rapaz de vagabundo se ele veio justamente para o final da fila respeitando os direitos dos outros ?

- Um vagabundo sempre respeita o direito dos outros.

- Respeita o direito dos outros ! Como assim ? Na minha idéia vagabundo não respeita nada.

- Vagabundo sempre respeita os outros vagabundos.

- Alto lá ! o senhor quer dizer que nós somos vagabundos?

- Eu não quero dizer nada, quem imagina e diz isso são eles do lado de lá.

- Eles quem ?

- O pessoal do BB. Os que ficam do lado de lá. Eles acham que quem está do lado de cá, é vagabundo, e que pode permanecer aqui por uma, duas ou três horas na fila.

- Não é possível que eles imaginem isso .

- Ora se imaginam ! a indiferença é o propósito maior de quem humilha.

Embora não concordasse com o que aquele cidadão dizia-me, porque eu acho que a indiferença pode ser muito mais uma arma para quem não visualiza a solução de determinados problemas, resolvi entrar na brincadeira e falei para o meu colega vagabundo da fila:
- Não sei onde é que está a polícia que perde uma oportunidade dessa para mostrar serviço.

- Como assim ? Não entendi – disse ele.

- Com tanto vagabundo junto de uma só vez, era só a polícia chegar e soltar a bordoada prá dentro, sem dó nem piedade, até desmanchar esse antro de vagabundo que forma a fila do Banco do Brasil, aqui de Ipirá.

O meu colega vagabundo da fila, olhou para mim com um olhar fixo e virou o rosto. Senti que ele não gostou da minha idéia. Fazer o que ? Quando ele chamou todos de vagabundos, aí ele não pensou duas vezes, mas na hora de levar porrada ele saltou fora. Quem poderá resolver essa confusão é o pessoal do BB. Como será que gostariam de ver a fila dos vagabundos na agência de Ipirá: esperando uma, duas, três horas ou sendo desfeita com a porrada da polícia ?

Enquanto isso. A cabeça da fila engordou e aqui na agência do Banco do Brasil de Ipirá não tem uma pessoa para organizar a fila, que fica a migué. Ah ! tem os guardas. Os guardas ! estes não perdem tempo com bobagens. Eles ficam esperando os assaltantes que não aparecem, enquanto isso ficam olhando aquela geringonça, que se chama porta giratória e a fila fica entregue às baratas, sem um só coração naquela agência que se compadeça e tome a menor providência, até mesmo para organizar aquele troço.

Enquanto observava estas questões, apareceu um sujeito grandalhão na cabeça da fila, fiquei na dúvida e indaguei a alguém da fila:
- Oxente ! aquele sujeito mascarado com braços cruzados estava na fila ?

- Aquele é o Mister M, ele fica em quatro filas ao mesmo tempo, no Bradesco, na CEF, no CICOOB e nesta daqui. O sujeito é o cão – disse o meu vizinha da fila.

Estou começando a compreender: um mesmo sujeito guarda o lugar lá e aqui, então ao mesmo tempo ele está lá no Bradesco e aqui no Banco do Brasil, sendo assim, a cabeça da fila incha, porque o sujeito some e não some, está lá e ali, quando aparece é um dos primeiros. Aproveitando a oportunidade, fiz mais um questionamento ao meu vizinho, que também não tinha nada a ver com aquilo, mas só no sentido de ouvir uma resposta convincente:
- De Mister M, a gente só espera esperteza, mas aquele mulato com a camisa do vasquinho apareceu como alí na frente da fila ?

- Aquele ali reservou o lugar na fila ontem, como chegou agora, pegou a reserva lá na frente – explicou o vizinho da fila. A continuação virá na parte quatro, aguardem.