sábado, 18 de maio de 2024

ATÉ UM DIA, CORRÓ!


Há 60 anos nasceu Corró. Um menininho cangalho, sem aquele exagero, muito mais no formato de alicate. No registro e no batismo recebeu o nome da Arismário Sena Ferreira.

 

Aquele Corró era um menino diferente, era inquieto, buliçoso e irreverente; sentia no peito que as coisas não estavam no seu devido lugar e que a ordem social estava desarrumada, com pouca gente tendo tudo e muita gente não tendo nada. Era uma certa rebeldia que ia aflorando naquele peito. Sua consciência foi alfinetada com o slogan do deputado federal Chico Pinto, “TÁ COM PINTO OU TÁ COM MEDO”. Começou a descobrir uma coisa chamada política.

 

Ipirá ficou estreito para Corró e a capital baiana, com sua enormidade cosmopolita, recebeu aquele adolescente Corró, que começou a mergulhar naquela sociedade em busca de referência, de significado existencial e de uma justificativa que levasse a uma sociedade com base no humanismo. O Brasil estava padecendo de uma ditadura militar.

 

Aquele adolescente descobriu que a sociedade que se movimenta, dizia NÃO, dizia ABAIXO A DITADURA; esperneava e não baixava o cangote.

 

Nem tudo estava perdido. Sem conformismo, descobriu o movimento, o grêmio estudantil, o sindicato, o partido, a clandestinidade, a luta. Descobriu que contra o racismo se luta para cortar o mal pela raiz. Estava sendo forjado para brigar pela causa dos oprimidos. Assim nascia Arismário, um aguerrido combatente das causas populares.

 

Foi um defensor inabalável da Casa dos Estudantes Ipiraenses, colocando-se à sua disposição em todas as suas demandas, desde a exigência de uma moradia decente, das reformas necessárias até a movimentação pela compra da casa própria. Foi um dos baluartes na formatação da cara cultural da Casa dos Estudantes Ipiraenses, inclusive com o ‘Forró da Residência’, que ajudava a botar comida na mesa da residência.

 

A ditadura andou na cata de Arismário e o deteve algumas vezes. Não arrefeceu; botava a cara na rua, com força, raiva e consciência de classe. Era um combatente inquebrantável. Organizou o Comício das Diretas Já em Ipirá, quando esse movimento tomava as praças e ruas do Brasil.

 

Forjado nos movimentos sociais e na luta contra a ditadura. Arismário foi crescendo, foi se agigantando e adquirindo uma concepção de mundo baseada no socialismo. Essa é sua essência, sua prática e sua vida. Foi um socialista e comunista convicto e consciente. Essa foi a sua lição mais contundente.

 

Retornando à estreita Ipirá não deixou por menos. Com toda a formação política adquirida e determinação foi organizando, mobilizando e lutando para garantir conquistas para os trabalhadores, para a classe trabalhadora.

 

Formou o Sindicato dos Professores, a APLB/Sertânea; formou o Partido Comunista do Brasil – PCdoB em Ipirá e contribuiu para todas as lutas que os trabalhadores rurais e urbanos travaram em nosso município.

 

Como todos nós, era um homem de carne e osso que se distinguia pela consciência de classe. Teve uma militância exemplar, coerente e contundente, que não vacilava em buscar para o coletivo. Era amigo, companheiro e camarada; dos bons. Arismário tinha lado, foi um combatente ao lado dos oprimidos desse mundão de meu bom Deus. Era um cidadão do Universo.

 

Sempre esteve ao lado da resistência, em defesa da democracia, dos direitos humanos e com têmpora para enfrentar o fascismo que nos rodeia. Sendo da resistência desconhecia o medo. Mesmo, na vida pessoal postava-se na resistência pela vida, travando uma luta constante pela continuidade da própria vida, com intensa vontade de viver. Era um pássaro que voava livre sem gaiolas. Era sua natureza revolucionária.

 

Chegou o dia da despedida. Não podia ser diferente: uma dor que corta o peito; escorre uma lágrima que não pode ser contida; uma tristeza que não se dissipa e uma saudade que não tem endereço; uma despedida dentro do breviário da vida humana. Até breve, camarada, valeu o bom combate.

 

Fica uma forte emoção que corta o peito. Seu filho Júlio Sena veio em minha direção e deu-me um forte abraço; forte e demorado abraço, sem palavras, mudo e seco, um abraço que não precisa falar, que não precisa dizer nada, simplesmente, para sentir uma energia forte, positiva, alegre para ser compartilhada por todos, dentro da tristeza ou ao tom que celebra a vida; a luta continua, camarada!

 

A vida não para e a luta continua, pode ser na estreita Ipirá ou no largo Universo (vale para mim e para você, Júlio), assim era a natureza de um corró, que virou Arismário, que se tornou um combatente das lutas populares. Se no Novo Plano houver alguma injustiça, podemos ter a certeza que um corró, de pernas cangalhas, vai bater na mesa e dizer NÃO; foi assim que começou a história da humanidade.

Um comentário:

Eliane Lia Azevedo disse...

Grande companheiro de Arismário em suas lutas, Agindo. Eu, como você, fiquei muda e perplexa. Meus olhos ficaram num filme que passou pela minha cabeça sobre as tantas lutas e afetos que Arismário nos trouxe e nos fez conhecer. Receba o meu abraço fraterno.
Nosso amigo, irmão e camarada viverá para sempre em nossos corações.