Segundo o prefeito Thiago Oliveira foram transportados mais de 30 mil pessoas de Ipirá para realizarem exames de procedimentos em hospitais de referência em outros municípios. O prefeito disse isso com um imenso orgulho e como um feito espetacular da sua gestão.
Esqueça o prefeito Thiago Oliveira agora, vamos lembrar do
tempo em que Ipirá tinha, somente, dois médicos. Um era ‘um pedaço de cavalo’ e
o outro era ‘uma vara de icó,’ que enverga da terra ao céu a depender das
circunstâncias.
O pai adentrou no consultório de um médico com um menino
rabugento, todo empolado, com sintoma notório de um quadro alérgico. O médico
observou atentamente, de forma que uma pergunta foi feita: “na sua casa tem
cachorro?” Ao ouvir a resposta o médico definiu o diagnóstico: “esse menino
está assim por causa das pulgas!” Foi o suficiente para o pai divulgar que o
médico era um médico retado e o ‘melhor médico do mundo’ por ter salvo a vida
do seu filho e a fama foi navegando ao vento.
O outro médico não dormiu de toca. Quando o quadro apertava,
ele mandava o paciente para Feira de Santana. Quando o paciente morria no
trajeto era comum ouvir-se pela cidade um comentário elucidativo: “Jão morreu
antes do Bravo, fulano é um médico retado, ‘o melhor médico do mundo’, quando
ele manda descer é porque o paciente não tem mais jeito e já está batendo as
botas; ele não erra uma.” Essa narrativa contribuiu para a fama de bom médico.
Observe como a ignorância tem um casamento estável com a
esperteza, embora não seja eterno. O Ipirá daquele tempo era precaríssimo na
questão da saúde, faltava tudo para o atendimento de casos de média
complexidade. O atendimento da saúde era fraco, precário, simples e limitado.
Mas, a precariedade que matava pacientes por falta de
condições tinha a sua cama de gato e o que era fraqueza na saúde local servia
para validar e fermentar a sabedoria dos médicos locais. A limitação nas
condições da saúde de Ipirá era a realidade e o endeusamento da sabedoria dos médicos
que atuavam em Ipirá era a ilusão.
A ilusão potencializada fez dos médicos chefes políticos e
deu-lhes a capacidade de lideranças dos grupos na disputa do poder político
municipal. Foi quando o município de Ipirá deixou de ser comandado pelos coronéis
e passou a ser conduzido pelos caciques, que eram mais cultos, mais letrados
pelo conhecimento científico da medicina, que atuando num ambiente de
atendimento precário, terminam assumindo o protagonismo, com os coronéis numa
função subalterna e secundária.
Nos dias atuais, com um atendimento médico mais extensivo e
complexo, mesmo sem atender aos casos de média, alta complexidade e, às vezes,
falhando no atendimento básico, mas contando com unidades de saúdes públicas
mais complexas (hospital, UPA, UBS), com dezenas de médicos no município e uma
rede de atendimentos nas cidades vizinhas, os profissionais médicos perderam as
credenciais que lhes davam preferência e força inquestionável na chefia dos
grupos políticos pela profissão. Já foi!
A força dos médicos para a liderança política está na
travessia da ponte, em decadência. Na imprevisão dos tempos, mesmo no
aprisionamento do sistema jacu e macaco, poderá levar ao poder municipal a
performance de figuras aventureiras. Dentro do sistema jacu e macaco, tudo é
possível em busca de mais de um bilhão de reais em qualquer mandato de quatro
anos.
Voltando ao prefeito Thiago Oliveira que reconhece como algo
altamente positivo ter transportado mais de 30 mil pessoas (em sete meses) de
Ipirá para exames de procedimentos em hospitais de referência em outros
municípios. Para o prefeito isso é grandeza e não deficiência e precariedade no
atendimento da saúde em nosso município.
Transporte de 30 mil pessoas para procedimento nas cidades
vizinhas significa muita chuva na horta dos vereadores, que usufruem das
deficiências da saúde no nosso município e resolvem os problemas de saúde da
população, ao tempo que garantem o condicionamento do voto para sua eleição e
do prefeito.
Transporte de 30 mil pessoas para procedimentos nas cidades
vizinhas significa que o atendimento de saúde em nosso município é uma
vergonha.
Mesmo assim, ainda morre gente pela precariedade da saúde em
nosso município. Os vereadores reclamam bastante e mostram o tamanho do buraco
e das feridas nas nossas unidades de saúde.
A maior reclamação dos vereadores é sobre a REGULAÇÃO. Um
número insuficiente de hospitais públicos nas grandes cidades, com populações
enormes, estava sujeito a um excesso de pacientes, que vegetavam na
promiscuidade dos corredores. Como eliminar essa superlotação dos corredores?
Aí os governos estaduais estabeleceram a REGULAÇÃO.
Resolveu o problema? Limpou os corredores, limpou! Derrubaram
um corredor e criaram outro.
Mas, a REGULAÇÃO não é flor que se cheire. Quando não tem
tempo de espera para o paciente necessitado não tem nada melhor. Mas nem sempre
é assim.
Quando o paciente com necessidade premente tem que mofar na
espera de uma REGULAÇÃO, que não acontece; que o vereador não tem acesso; que
não permite o fura-fila; que não tem solução para o problema; aí o descaso com
o cidadão aflora e a REGULAÇÃO vira um corredor da morte. Não tem nada mais
cruel do que essa espera para uma morte anunciada. Não era para ser assim, mas
acontece sempre. Ipirá precisa de um hospital público com o Estado no comando.
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