Senhor ladrão.
Escrevo essas mal traçadas linhas para glorificar Vossa
Excelência. Não sei quem é o senhor; nem onde é sua casa; nem sua altura; mas
sei que o senhor mora na região do Rio do Peixe e exerce uma profissão digna,
notória e necessária: ladrão.
Nada mais exemplar do que uma profissão tão elevada,
relevante e sublime como a que o senhor exerce com tamanha desenvoltura:
ladrão.
Sua profissão de ladrão é nobre, decente e contagiante,
apesar do preconceito que carrega e de ser malvista na sociedade, mesmo assim,
é a que mais cresce no país.
Para sanar uma injustiça, o INSS deveria pagar a
aposentadoria por tempo de serviço para a profissão de ladrão. Uma vez
aposentado, ficaria proibido de exercer a profissão, se o fizer será preso.
Nada mais justo!
Na madrugada do dia 14 de novembro de 2024, na calada da
noite, o senhor com sua agudeza de espírito, manha e malícia adentrou no
chiqueiro de minha propriedade rural e surrupiou dois carneiros.
Não desmereço a sua virtude e grande qualidade para o roubo.
Na madrugada, o senhor travestiu-se de sombra da noite e mostrou elevada
aptidão para compreender e executar a sua tarefa com afinco e eficiência. Não
deixou rastro, nem vestígios. Fez a coisa bem feita e dois carneiros foram
afanados.
Quando a sombra da noite adentrou no chiqueiro a carneirada
assustou-se em grande desespero com aquela figura medonha e diabólica (para os
carneiros) querendo cercá-los para pegá-los. No grande furor, os carneiros
brocaram a cerca e dois ficaram para trás. A sombra da noite conseguiu segurar
e passar a mão em dois carneiros.
Resta-me o apelo: senhor ladrão! Pelo amor que o senhor tem
por sua mãe ou por algo sagrado para sua pessoa, devolva os dois carneiros e
resolva o problema dos carneiros que ficaram, desde quando, estão assustados e
estressados, berrando de forma continuada num berro miúdo e triste, pela
ausência de seus dois irmãos de raça. É uma pena.
Senhor ladrão! Imagino que o senhor não é um qualquer, não é
um ladrão borra-botas, pé de chinelo e bangalafumenga que fica por aí roubando arame
enferrujado, galinha sem dente e qualquer porcaria. Não. O senhor, ladrão de
meus carneiros! Não, o senhor só rouba coisa boa, não fica por aí roubando
ovelhas perebentas.
Agora, senhor ladrão dos meus carneiros! O senhor é uma
pessoa inteligente, que planejou e executou um roubo extraordinário, sem
cometer uma só falha, sem deixar uma só pista; assim sendo, eu tenho que
considerar o senhor uma pessoa não só inteligente, mas muito inteligente e
esperta; mas, se o senhor não usar a sua inteligência e a sua esperteza para o
seu bem; o senhor vai viver eternamente na pindaíba, sempre na precisão de
roubar meus carneiros, quando, na verdade, o senhor tem inteligência para ser
ladrão das ovelhas de Cristo ou um ardil ladrão de banco e viver sossegado como
um ‘bon vivant’ rico e próspero, como um bom ladrão e não precisará meter a mão
no meu chiqueiro.
De certa forma, tenho que ter muita gratidão ao senhor, sr.
ladrão! O senhor não rapou meu chiqueiro, só levou dois carneiros. Sou grato,
por isso! Pensando bem! O senhor não leve a mal a forma como estou lhe
tratando, chamando-o de senhor, com o furto de dois dos meus carneiros e o seu
hábito de roubar, o senhor adquiriu um status maior na sua larga caminhada,
devido a tal, passarei a tratá-lo como Vossa Excelência Ladrão de meus
carneiros.
Não custa nada fazer um pedido a V. Exa. ladrão de meus
carneiros: por favor, devolva meus dois carneiros? Só quero os dois e nada
mais!
Não desejo nada de ruim à V. Exa. Que o senhor viva sempre de
boa, tranquilo e sossegado. Que V. Exa. prospere na cadeia evolutiva: que saia
da condição de rato e atinja uma posição mais graduada na condição humana, como
um ladrão com terno, gravata borboleta e quiçá, uma cartola na cabeça, que chegue
ao entendimento de que roubar pouco não vale a pena e deixe meu chiqueiro em
paz.
Gostaria que essa carta chegasse ao seu conhecimento, mas tenho
noção de que o que foi roubado não será restituído, mas aproveito a
oportunidade para lhe passar as dificuldades do pequeno criador de caprino e
ovinos no município de Ipirá: todo ano é ano de seca, isso é uma constante; as
chuvas são escassas; a alimentação é precária; o custo de sustentação sobe; o
cuidado redobra; as doenças aparecem; na cidade não tem um local decente para a
venda dos animais; tem o ataque dos cachorros-vampiros e de sobra ainda tem os
ladrões (não estou falando de V. Exa. não, são outros). Tenha piedade e esqueça
o meu humilde chiqueiro, quando a coisa ficar boa do lado de cá, eu faço um
comunicado à V. Exa. através de nota pública.
Sem mais para o momento, obrigado pela atenção e
assino: AB