quarta-feira, 22 de outubro de 2025

O ÓDIO PELAS MULHERES


“Os índices de violência contra a mulher no Brasil são altíssimos, segundo dados atualizados do Mapa Nacional da Violência de Gênero apontam que no primeiro semestre de 2025 foram registrados 718 feminicídios no país. O levantamento elaborado pelo Observatório da Mulher Contra a Violência, do Senado, também aponta registros de 33.999 estupros contra mulheres de janeiro a junho, uma média de 187 por dia.”

Este artigo foi escrito pelo advogado criminalista, Jackson Alves e pela sua importância e relevância vamos publicá-lo abaixo, na íntegra.

O ÓDIO PELAS MULHERES

O ódio pelas mulheres é um projeto de poder e negativa da instabilidade do próprio homem. Através da Cultura – mecanismo de construção histórica, econômica, religiosa e social de formação de uma civilização – o homem vem por mais de quatro mil anos patrocinando a MISOGINIA (ódio pelas mulheres) impondo uma falsa percepção de que as mulheres são o mal do mundo, que desestabilizam o desenvolvimento da humanidade, na tentativa de justificar todos os tipos de violências praticadas pelos homens contra as mulheres.

 

A cultura do ódio pelas mulheres se construiu através dos elementos que formam a Cultura de um povo, em nosso caso a Cultura greco-romana e pela religião judaico-cristã, acentuada pelas formas de exploração econômica como feudalismo e seu derivado capitalismo.

 

Através do domínio da Política por esses elementos constitutivos da Cultura, foram ditados os comportamentos humanos.

 

A religião se incubou de dizer quem tem Deus e quem é pecador. A Arte objetificou o corpo feminino e, os regimes econômicos feudalismo e capitalismo determinaram quem deve e como devem sobreviver.

 

A construção da Cultura religiosa – tanto a judaico-cristã e, também, somada a estas, a religião islâmica, põem a Mulher entre os excluídos, os que não tem Deus. A não ser, quando a mulher esteja em estado de submissão ao homem.

 

Foram milênios de construção de um pensamento religioso-cultural, mantido através da Cultura greco-romana, condicionando a mulher como um ser de segunda classe. Sendo este, doutrinamento cultural articulado e, seus derivados como: patriarcado e o machismo, fontes de todas as atuais violências praticadas contra a mulher que temos nos dias atuais – seja ela verbal, física, econômica e política contra o gênero feminino – No que se classifica, hoje, como misoginia.

 

Alguns dos fundadores da Igreja – identificados, nos dias de hoje pela psicanálise moderna como os neuróticos da fé – participaram ativamente para o projeto da exclusão da mulher na confecção e entendimento do que seja o Divino, pondo a mulher em um papel secundário e de submissão.

 

Tem-se como exemplo teses e dogmas religiosos defendidos por nomes importantes da fundação da Igreja, nomes como os de Santo Agostinho, que alardeava como sendo basilar para a construção da religião cristã, textos que pregavam, e que ecoam até os dias atuais, onde: “A mulher não possuía a imagem de Deus em si mesma, mas somente quando considerada juntamente com o homem que é sua cabeça, de modo que toda substância seja uma imagem. Mas, que quando lhe é atribuído o papel de ajudante, função que lhe pertence exclusivamente, então ela não é a imagem de Deus. Mas, quanto ao homem, ele é por si só a imagem de Deus tão plena e completamente quando ele e a mulher são unidos em um só.”

 

Outro nome importante na construção da igreja cristã, na composição de sua doutrina, é o de Tertuliano, que sustentava: “A mulher é a porta por onde o mal entra.” Também doutrinando e contribuindo para estabelecer o ódio pelas mulheres. São Cristóvão em seus escritos narrava que: “As mulheres são o animal mais daninho.”

 

Toda essa construção do ódio pelas mulheres tem como base o Mito de Eva. Eva que teve a coragem de romper com o paraíso artificial criado pela religião cristã.

 

A ruptura é o primeiro indicativo de que o humano é um ser livre, característica primeira da humanidade. Eva inaugurou a humanidade, o não perfeito, os sedentos por liberdade!

 

O que esses homens religiosos não aceitavam é que Eva teve um desejo autônomo, da própria vontade, coisa que Adão não teve!

 

A partir da ruptura de Eva, criou-se a desculpa perfeita para toda a frustração do homem com “H”, - frustração, que também é sentimento essencial que compõe a vida humana – projetando assim, sobre o “pecado original”, o pecado de Eva, todas as dores do mundo. O homem com “H” toda vez que se frustra com seus delírios; primeiro, culpa Eva e depois pula para o colo de Deus.

 

Também, no islã, religião do profeta Maomé, em uma passagem no seu livro de costumes, Maomé cita que teve um sonho e, nesse sonho viu o Céu e o inferno. No Céu visto, em sonho por Maomé, tinham muitos pobres e, no inferno, também visto no mesmo sonho por Maomé, estava cheio de mulheres.

 

Até mesmo na Renascença, período de início de ruptura com a Idade das Trevas, onde o humano começa a ocupar lugar de destaque no que se entendia por Vida, a mulher era percebida e mostrada como objeto estético de desejo, apenas; através de obras de artes que cultuavam e ao mesmo tempo objetificavam o corpo feminino. Tendo como consequência, durante a Renascença, uma proliferação da prostituição, onde filhas de famílias numerosas e pobres, alimentavam – com a venda dos corpos de mulheres e meninas e, deles tirando seu sustento – o crescente número de bordeis em Veneza. Enquanto, as famílias que tinham dinheiro mandavam suas filhas para os conventos em Florença, tendo Jesus Cristo como noivo ideal.

 

Muitos se equivocam crendo ou fazendo crer, que a prostituição é uma iniciativa da mulher, a prostituição é um projeto, uma outra forma de violência contra as mulheres, de iniciativa dos homens. Que ao longo dos tempos precarizam os meios de sobrevivência das mulheres, ao ponto de tornar-se a prostituição o único meio ou o último meio de sobrevivência das mulheres e, principalmente como forma de lucro para os homens com a exploração do corpo feminino. Sendo essa, uma das “contribuições” do feudalismo e do seu filhote não menos pervertido, o capitalismo; para a construção do ódio pelas mulheres.

 

Na Renascença, ainda, também a mulher teria destaque quando, como o exemplo de Joana D’Arc, criou-se o mito da mulher-homem, a que foi para as frentes de batalha. Mesmo assim, ao fim e ao cabo, Joana D’Arc acabou queimada em uma fogueira como feiticeira pelo seu papel masculino.

 

Mais adiante, séculos XIX e XX, ainda sobre a percepção da mulher pela Arte, destaco um artista em especial, o pintor austríaco Gustav Klimt, o pintor que amava as mulheres. Klimt, retratava a mulher com alma, sensualidade, mistério e Poder, não apenas como um objeto estético, um corpo – rompendo, assim, com a visão tradicional de submissão e exploração do corpo feminino pela Arte –. Percebia e mostrava a mulher como alma criadora conectada a feminilidade, a fertilidade, a vida e ao amor.

 

O Feminismo tem papel fundamental na luta pelos direitos das mulheres. Tendo como uma das grandes escritoras e articulistas desse movimento – Simone de Beauvoir – defendia a politização e inserção da mulher na sociedade, com todos os seus direitos e garantias, que devem ser respeitados, reconhecendo as diferenças entre os gêneros masculino e feminino. Sendo assim, as mulheres não devem ser tratadas como homens e, sim de maneira adequada a sua condição de mulher.

 

Em outro pensamento a imensa escritora – Simone de Beauvoir – nos ajuda a compreender a gênese do movimento feminista, citando: “A questão não é que as mulheres simplesmente tirem o poder das mãos dos homens, já que isso não mudaria nada no mundo. É uma questão precisamente de destruir essa noção de poder.”

 

Ainda sobre o movimento do feminismo, concordo sobre lugar de fala – noção corporizada do que sente na pele – mas também penso que a temática da situação de opressão histórica contra as mulheres nas sociedades é um problema de todos.

 

Todo esse projeto milenar de misoginia, (ódio pelas mulheres) se manifesta, em tempos atuais, em formas de violências praticadas por nós, homens contra as mulheres.

 

No Brasil destaca-se a Lei Maria da Penha (Lei 11.340 / 2006), nome dado como reconhecimento e homenagem a senhora Maria da Penha Maia Fernandes, cearense, vítima de violência doméstica, que com coragem e muita determinação, lutou através de organismos e mecanismos internacionais pela criação de uma Lei de combate à violência doméstica e familiar contra as mulheres no Brasil. Criando assim, por pressão internacional, medidas legais de proteção para as vítimas e punição para os agressores.

 

Esta Lei também prevê, medidas protetivas de urgência, como o afastamento do agressor do lar, e considera como crimes as violências física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. Estabelece ainda, a criação de juizados especializados e garante que a vítima somente poderá renunciar à denúncia perante um juiz.

 

Os índices de violência contra a mulher no Brasil são altíssimos, segundo dados atualizados do Mapa Nacional da Violência de Gênero apontam que no primeiro semestre de 2025 foram registrados 718 feminicídios no país. O levantamento elaborado pelo Observatório da Mulher Contra a Violência, do Senado, também aponta registros de 33.999 estupros contra mulheres de janeiro a junho, uma média de 187 por dia.

 

Professora de direito criminal, Renata Furbino destaca as leis existentes para coibir esses crimes, mas afirma ser necessário entender o contexto da sociedade e fortalecer as redes de apoio às mulheres, com articulação entre as políticas de Estado, as delegacias de polícia, os ministérios públicos e outros órgãos.

 

Os pesquisadores acreditam que os números das violências cometidas contra as mulheres e meninas, sejam ainda maiores, por considerarem a subnotificação.

Jackson Alves – Advogado Criminalista

@dr.jaksonalves

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