“Os índices de violência contra a mulher no Brasil são altíssimos, segundo dados atualizados do Mapa Nacional da Violência de Gênero apontam que no primeiro semestre de 2025 foram registrados 718 feminicídios no país. O levantamento elaborado pelo Observatório da Mulher Contra a Violência, do Senado, também aponta registros de 33.999 estupros contra mulheres de janeiro a junho, uma média de 187 por dia.”
Este artigo foi escrito pelo advogado
criminalista, Jackson Alves e pela sua importância e relevância vamos
publicá-lo abaixo, na íntegra.
O ÓDIO PELAS MULHERES
O ódio pelas mulheres é um projeto de
poder e negativa da instabilidade do próprio homem. Através da Cultura –
mecanismo de construção histórica, econômica, religiosa e social de formação de
uma civilização – o homem vem por mais de quatro mil anos patrocinando a
MISOGINIA (ódio pelas mulheres) impondo uma falsa percepção de que as mulheres
são o mal do mundo, que desestabilizam o desenvolvimento da humanidade, na
tentativa de justificar todos os tipos de violências praticadas pelos homens
contra as mulheres.
A cultura do ódio pelas mulheres se
construiu através dos elementos que formam a Cultura de um povo, em nosso caso
a Cultura greco-romana e pela religião judaico-cristã, acentuada pelas formas
de exploração econômica como feudalismo e seu derivado capitalismo.
Através do domínio da Política por
esses elementos constitutivos da Cultura, foram ditados os comportamentos
humanos.
A religião se incubou de dizer quem
tem Deus e quem é pecador. A Arte objetificou o corpo feminino e, os regimes
econômicos feudalismo e capitalismo determinaram quem deve e como devem
sobreviver.
A construção da Cultura religiosa –
tanto a judaico-cristã e, também, somada a estas, a religião islâmica, põem a
Mulher entre os excluídos, os que não tem Deus. A não ser, quando a mulher
esteja em estado de submissão ao homem.
Foram milênios de construção de um
pensamento religioso-cultural, mantido através da Cultura greco-romana,
condicionando a mulher como um ser de segunda classe. Sendo este, doutrinamento
cultural articulado e, seus derivados como: patriarcado e o machismo, fontes de
todas as atuais violências praticadas contra a mulher que temos nos dias atuais
– seja ela verbal, física, econômica e política contra o gênero feminino – No
que se classifica, hoje, como misoginia.
Alguns dos fundadores da Igreja –
identificados, nos dias de hoje pela psicanálise moderna como os neuróticos da
fé – participaram ativamente para o projeto da exclusão da mulher na confecção
e entendimento do que seja o Divino, pondo a mulher em um papel secundário e de
submissão.
Tem-se como exemplo teses e dogmas
religiosos defendidos por nomes importantes da fundação da Igreja, nomes como
os de Santo Agostinho, que alardeava como sendo basilar para a construção da
religião cristã, textos que pregavam, e que ecoam até os dias atuais, onde: “A
mulher não possuía a imagem de Deus em si mesma, mas somente quando considerada
juntamente com o homem que é sua cabeça, de modo que toda substância seja uma
imagem. Mas, que quando lhe é atribuído o papel de ajudante, função que lhe
pertence exclusivamente, então ela não é a imagem de Deus. Mas, quanto ao
homem, ele é por si só a imagem de Deus tão plena e completamente quando ele e
a mulher são unidos em um só.”
Outro nome importante na construção
da igreja cristã, na composição de sua doutrina, é o de Tertuliano, que
sustentava: “A mulher é a porta por onde o mal entra.” Também doutrinando e
contribuindo para estabelecer o ódio pelas mulheres. São Cristóvão em seus
escritos narrava que: “As mulheres são o animal mais daninho.”
Toda essa construção do ódio pelas
mulheres tem como base o Mito de Eva. Eva que teve a coragem de romper com o
paraíso artificial criado pela religião cristã.
A ruptura é o primeiro indicativo de
que o humano é um ser livre, característica primeira da humanidade. Eva
inaugurou a humanidade, o não perfeito, os sedentos por liberdade!
O que esses homens religiosos não
aceitavam é que Eva teve um desejo autônomo, da própria vontade, coisa que Adão
não teve!
A partir da ruptura de Eva, criou-se
a desculpa perfeita para toda a frustração do homem com “H”, - frustração, que
também é sentimento essencial que compõe a vida humana – projetando assim,
sobre o “pecado original”, o pecado de Eva, todas as dores do mundo. O homem
com “H” toda vez que se frustra com seus delírios; primeiro, culpa Eva e depois
pula para o colo de Deus.
Também, no islã, religião do profeta
Maomé, em uma passagem no seu livro de costumes, Maomé cita que teve um sonho
e, nesse sonho viu o Céu e o inferno. No Céu visto, em sonho por Maomé, tinham
muitos pobres e, no inferno, também visto no mesmo sonho por Maomé, estava
cheio de mulheres.
Até mesmo na Renascença, período de
início de ruptura com a Idade das Trevas, onde o humano começa a ocupar lugar
de destaque no que se entendia por Vida, a mulher era percebida e mostrada como
objeto estético de desejo, apenas; através de obras de artes que cultuavam e ao
mesmo tempo objetificavam o corpo feminino. Tendo como consequência, durante a
Renascença, uma proliferação da prostituição, onde filhas de famílias numerosas
e pobres, alimentavam – com a venda dos corpos de mulheres e meninas e, deles
tirando seu sustento – o crescente número de bordeis em Veneza. Enquanto, as
famílias que tinham dinheiro mandavam suas filhas para os conventos em
Florença, tendo Jesus Cristo como noivo ideal.
Muitos se equivocam crendo ou fazendo
crer, que a prostituição é uma iniciativa da mulher, a prostituição é um
projeto, uma outra forma de violência contra as mulheres, de iniciativa dos
homens. Que ao longo dos tempos precarizam os meios de sobrevivência das
mulheres, ao ponto de tornar-se a prostituição o único meio ou o último meio de
sobrevivência das mulheres e, principalmente como forma de lucro para os homens
com a exploração do corpo feminino. Sendo essa, uma das “contribuições” do
feudalismo e do seu filhote não menos pervertido, o capitalismo; para a
construção do ódio pelas mulheres.
Na Renascença, ainda, também a mulher
teria destaque quando, como o exemplo de Joana D’Arc, criou-se o mito da
mulher-homem, a que foi para as frentes de batalha. Mesmo assim, ao fim e ao
cabo, Joana D’Arc acabou queimada em uma fogueira como feiticeira pelo seu
papel masculino.
Mais adiante, séculos XIX e XX, ainda
sobre a percepção da mulher pela Arte, destaco um artista em especial, o pintor
austríaco Gustav Klimt, o pintor que amava as mulheres. Klimt, retratava a
mulher com alma, sensualidade, mistério e Poder, não apenas como um objeto
estético, um corpo – rompendo, assim, com a visão tradicional de submissão e
exploração do corpo feminino pela Arte –. Percebia e mostrava a mulher como
alma criadora conectada a feminilidade, a fertilidade, a vida e ao amor.
O Feminismo tem papel fundamental na
luta pelos direitos das mulheres. Tendo como uma das grandes escritoras e
articulistas desse movimento – Simone de Beauvoir – defendia a politização e
inserção da mulher na sociedade, com todos os seus direitos e garantias, que
devem ser respeitados, reconhecendo as diferenças entre os gêneros masculino e
feminino. Sendo assim, as mulheres não devem ser tratadas como homens e, sim de
maneira adequada a sua condição de mulher.
Em outro pensamento a imensa
escritora – Simone de Beauvoir – nos ajuda a compreender a gênese do movimento
feminista, citando: “A questão não é que as mulheres simplesmente tirem o poder
das mãos dos homens, já que isso não mudaria nada no mundo. É uma questão
precisamente de destruir essa noção de poder.”
Ainda sobre o movimento do feminismo,
concordo sobre lugar de fala – noção corporizada do que sente na pele – mas
também penso que a temática da situação de opressão histórica contra as
mulheres nas sociedades é um problema de todos.
Todo esse projeto milenar de
misoginia, (ódio pelas mulheres) se manifesta, em tempos atuais, em formas de
violências praticadas por nós, homens contra as mulheres.
No Brasil destaca-se a Lei Maria da
Penha (Lei 11.340 / 2006), nome dado como reconhecimento e homenagem a senhora
Maria da Penha Maia Fernandes, cearense, vítima de violência doméstica, que com
coragem e muita determinação, lutou através de organismos e mecanismos
internacionais pela criação de uma Lei de combate à violência doméstica e
familiar contra as mulheres no Brasil. Criando assim, por pressão
internacional, medidas legais de proteção para as vítimas e punição para os
agressores.
Esta Lei também prevê, medidas protetivas
de urgência, como o afastamento do agressor do lar, e considera como crimes as
violências física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. Estabelece ainda,
a criação de juizados especializados e garante que a vítima somente poderá
renunciar à denúncia perante um juiz.
Os índices de violência contra a
mulher no Brasil são altíssimos, segundo dados atualizados do Mapa Nacional da
Violência de Gênero apontam que no primeiro semestre de 2025 foram registrados
718 feminicídios no país. O levantamento elaborado pelo Observatório da Mulher
Contra a Violência, do Senado, também aponta registros de 33.999 estupros
contra mulheres de janeiro a junho, uma média de 187 por dia.
Professora de direito criminal,
Renata Furbino destaca as leis existentes para coibir esses crimes, mas afirma
ser necessário entender o contexto da sociedade e fortalecer as redes de apoio
às mulheres, com articulação entre as políticas de Estado, as delegacias de
polícia, os ministérios públicos e outros órgãos.
Os pesquisadores acreditam que os
números das violências cometidas contra as mulheres e meninas, sejam ainda
maiores, por considerarem a subnotificação.
Jackson Alves – Advogado Criminalista
@dr.jaksonalves

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