segunda-feira, 4 de setembro de 2023

“Ó PRÁ ISSO!”

Três da tarde: o metrô intiguijado de camisa tricolor. A  bendita alegria e esperança colorida. Lá vamos nós. Lá vou eu, visitar e conhecer a Arena pela primeira vez. Terceira formatação da Fonte Nova. Na primeira, a ferradura e um vão de arquibancada. O torcedor adentrava e o campo ficava abaixo, como se fosse num buraco. Zero a zero. Bahia versus Fluminense de Feira.

 

O Bahia tinha um jogador chamado Vermelho, não era craque, mas era especialista na jogada chamada ‘paulista’ chutava ou cruzava passando a perna por trás da outra. Tanto fazia a esquerda ou a direita. A torcida vibrava, a habilidade era o que importava.

 

O torcedor do Fluminense de Feira pegava o ônibus da empresa Santana, desembarcava na Estação Rodoviária na Sete Portas e ia andando para a Fonte Nova. Chegava cedo para ver o time aspirante do Flu de Feira (bi-campeão baiano) e saía cedo, antes do jogo principal terminar, para não perder o último horário de ônibus para Feira de Santana.

 

No formato intermediário (o segundo) a ferradura ganhou um vão superior. Na inauguração, uma superlotação. Flamengo e Grêmio contra a dupla Ba-Vi. Não havendo jeito para subir uma escadaria para a arquibancada superior e morando em Salvador fui para casa dormir. No dia seguinte os jornais estamparam a notícia do “vai desabar!” e uma multidão pisoteada.

 

Nesta fase, era comum alguns elementos da arquibancada superior mijarem em sacos plásticos para atirá-los nos torcedores da arquibancada inferior. Estando lotado o estádio eles nunca erravam o alvo. E tome-lhe mijo prá baixo.

 

No primeiro formato, o Bahia foi campeão da Taça Brasil. No segundo, foi campeão brasileiro. Na torcida, Lourinho  apresentava-se com um estandarte de bonecos dos jogadores do time adversário com perna engessada, enrolada com gaze, amarrada ou com alfinetes perfurando o corpo. O boneco do goleiro aparecia com dois alfinetes furando os olhos. Não sei se isso resolvia, mas a torcida fazia a sua parte e acreditava com fé demasiada e inabalável. Os jogadores, no gramado, que fizessem o que lhes competia.

 

Nestes dois formatos, o dirigente era dirigente no nome e diligente nas ações. Osório Vilas Boas e Paulo Maracajá criaram um anedotário amplo, geral e irrestrito. O homem que vestia camisa, calção, meião e chuteiras pretas era chamado a prestar mais atenção: “cuidado, veja lá o que você vai fazer!” Não sei se funcionava, mas por precaução, o apito ficava rouco em algumas situações e assoviava estridente em outras.

 

Três e meia. Voltando ao começo da chegada ao terceiro templo. A torcida do Vasco enfileirada aguardando a abertura do estádio. Outra parte da torcida do Vasco ensaiando grito de guerra e ameaçando uma outra torcida que nem presente estava (a do Flamengo) e não devia nada à polícia, que estava de prontidão. A torcida do Bahia que não é criança para ter medo de boi da cara preta passava junto daquele bologodório e eu no meio, com receio (medo não) de receber uma pomba sem asa. Isso tudo acontecendo no Dique.

 

Cada qual para seu lado. Os torcedores recebiam um folheto sobre a campanha contra o copo para cima. “É crime”. Imaginei o saco de mijo para baixo. “Era crime tipificado”. Estamos ficando civilizados.

 

A torcida do Bahia estava tranquila. A do Vasco era pequena e barulhenta. Foi obrigado o som do estádio mostrar para eles quem é o dono que manda neste terreiro. Quem não tem Vilas Boas nem Maracajá bota o volume do som nas alturas e encobre a gritaria do outro lado. O som era Bahia para o nosso bem. O time foi anunciado na base do festejo, euforia e entusiasmo. O time do Vasco anunciado ao tom de velório em carro de som que anuncia velório em Ipirá. Não havia dúvida, o som da Arena estava do nosso lado.

 

No aquecimento, bola de pé em pé, o show de bobinho. No jogo, bola de pé prá pé, o jogo de bobinho. Nenhum chute ao gol. Um torcedor ao meu lado, começou a dizer: “Ó, prá isso!”. Repetindo por diversas vezes, observei que era dito após os constantes erros dos jogadores do Bahia. Quando os jogadores do Vasco erravam, era “ Vai, vai, vai!”

 

Pense num baba! Não; pense numa ‘coisa ruim’ de se vê! Cansado de vê, sentei para não enxergar o que não queria ver. Uma vez sentado, com o mundo à minha volta em pé, não perdia um lance, pois, quando o torcedor ao lado dizia “Ó, prá isso!” tinha certeza que o Bahia tinha dado o ouro, no “Vai, vai!” tinha convicção que o Bahia precisava de uma força a mais. Essa é a “equipô do portuga”.

 

O torcedor ao lado saiu; eu fiquei em pé. A bola cruzada encontrou Ademir na cara do gol na base do “esse até minha avó fazia!” e fazia de canela. O som da Arena bradou, mais do que bradou, gritou estridente: “goooooooooolaço!”

 

O torcedor que estava ao lado voltou: “bastou eu sair para o Bahia fazer um gol!” Eu não perdi tempo e disse: “é verdade, se eu fosse você eu ia lá prá fora!” Ele não disse nada, mas eu percebi que ele quis dizer: “você acha que eu tenho cara de otário para pagar caro e não assistir?” mas não disse e quando falou foi para dizer: “ó, prá isso, Gilberto!” Por essa fala eu sabia que não tinha necessidade do VAR fazer a revisão. Tinha certeza absoluta e plena.

 

Faltando 4 minutos, mais os acréscimos; minha turma resolveu pirulitar ou seja, cair fora. Pensando como nós pensamos, havia uma multidão de pessimistas, que saía apressada, calada e retada da Arena. Foi tanta gente saindo, que houve um engarrafamento de gente. Com certeza esse pessoal não pagou para fazer teste no coração e não queria exame cardíaco de graça. Empatar com o Vasco (ô time peba!), sem desmerecer deles, num jogo de seis pontos é pensar que sorte é coisa vendida na esquina.

 

Descendo a escadaria da Estação do Campo da Pólvora, eu contava os degraus: “estão faltando 16 degraus; o Bahia está no 22 e tem que chegar ao 45, faltando, portanto, 23 degraus; se a “equipô do portuga” não subir 8 vãos de 3 degraus dentro de casa, sei não!” Quando pisei na plataforma de embarque, cheguei à minha conclusão: “se não ganha do Vasco em casa, lá fora vai ganhar de quem!?”

 

Como sair dessa situação? Ora, ora, oremos meus irmãos! O Bahia é o primeiro colocado no campeonato de cinco times disputado no fundo da estação do brasileirão. É bem verdade, mas quem perde ponto dentro de casa vai levar chibata e lapada por cima do lombo.

 

O trem do Metrô chegou e num instante lotou bem lotado de camisa tricolor. O silêncio era tumular. Os semblantes mostravam a cara da tristeza. Os olhares não se encontravam e estavam distantes e, ao mesmo tempo, perplexos. O que eu vou dizer lá em casa?

 

Uma Arena Fonte Nova com mais de 46.700 pessoas, quase toda população do município de Ipirá. A população de Ipirá, no último censo, é de 56.873 habitantes. Houve uma queda, pois era mais de 59 mil habitantes. Ai fica meio-mundo de gente dizendo que o censo/2023 está errado. Só tem duas soluções: bota todo mundo prá fora do município, bota catraca, como na Arena Fonte Nova, e conta pessoa por pessoa. Com contagem pela catraca, ninguém reclama.

 

Ou então, vamos testar a seriedade do IBGE, que apresentou 34 pessoas com mais de cem anos no município de Ipirá, 12 homens e 22 mulheres. Vamos fazer uma correria e verificar se tem 35 ou mais pessoas centenárias em Ipirá. Se tiver o IBGE fraudou o censo em nossa terra, para que o público da Arena Fonte Nova ultrapasse o público de Ipirá.

 

Na segunda-feira, cabeça quente e pegando fogo, ligo o rádio para escutar a FM do deputado para ouvir a esperada entrevista do líder político Antônio Colonnezi. Nada. Faiou novamente. Pelo visto, essa liderança de Antônio Colonnezi está igual à “equipô do portuga”, por um fio, se bobear vai descer mais ainda. Tão cedo a Arena não vai ver minha cara.
 

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