quinta-feira, 1 de maio de 2008


A VIDA COMO ELA É.


NA DITADURA.
Em 1982, o jornal Correio da Bahia, com seu espírito patrulhador, denuncista ou dedo-duro, ou até mesmo ameaçador, colocou uma matéria apontando os candidatos comunistas na Bahia, com a intenção de criar dúvida ou temor no eleitorado. Constava os nomes de Haroldo Lima, Luiz Nova e Luiz Marques, que era candidato a prefeito em Ipirá pelo PMDB.

É bom salientar que o PCdoB estava na ilegalidade por imposição do regime ditatorial e atuava dentro do PMDB. Numa eleição com imensas dificuldades e voto vinculado, que é uma camisa-de-força, conseguimos 510 votos que expressavam um anseio de liberdade. Então, para início de conversa, Luiz Marques foi o primeiro candidato a prefeito pelo PCdoB em Ipirá e eram tempos de ditadura.

No Brasil, toda vez que ocorriam eleições, a oposição dava uma cacetada que atordoava os donos do poder. Na Bahia, os lacaios da ditadura queriam mostrar a qualquer custo que tinham respaldo junto ao povo baiano e a estratégia que usavam era avançar sobre o interior, que era visto e tido como o maior curral eleitoral do PDS. Ipirá era a vitrine da vez e serviria para essa amostragem. O cenário estava montado. Seria a inauguração da água do Paraguaçu na cidade. O esquema empregado era avassalador e aconteceu com a intenção de não perder um só voto no município. Essa era a vontade do imperador da Bahia e dos seus apaniguados locais.

Na entrada da cidade, bem em frente ao Posto Médico atual, montaram um outdoor que era do tamanho do mundo, com as caras de ACM, João Durval e Josafá. Pense em algo convidativo para uma melança. Um dia antes ao evento, a cidade ficou infestada de policiais secretas e gorilas para amaciarem o terreno e evitar qualquer tipo de manifestação contrária, por menor que fosse, ao poder.

Na porta do comitê do PMDB, que ficava vizinho ao local onde hoje fica a padaria de Dudi, ali na Praça da Bandeira, ficou um carro, com placa de Salvador, estacionado durante todo o dia e parte da noite, como se quisesse dizer "olha lá ! eu estou aqui", naturalmente, fazia a sua espionagem. Luiz Marques não aguentou a tentação e planejamos a ação do bando de assaltantes do céu. Fechamos o comitê por volta de 7 h da noite, e sorrateiramente adentramos pela porta dos fundos, fazendo um trabalho silencioso, no preparo da cola com o diabo-verde engolindo uma dosagem reforçada de farinha do reino, para a sujeita ficar pegajosa e aderente.

Por volta de 1 h da madrugada, a cidade dormia o sono dos justos e dos inocentes. O caminhão de Valnei encostou na porta do comitê, que cuspiu um bando de jovens, com escadas, latas de cola, rolos e a rapidez de um relâmpago para cima da carroceria, onde todos ficaram deitados no lastro. Descemos pela rua de Cima e quando passamos pela quadra do Fomento, havia um carro parado, com quatro elementos dentro; seguimos e paramos embaixo do outdoor; o carro da quadra acendeu os faróis e veio em nossa direção; Valnei ligou o caminhão e seguiu pela estrada do Feijão em direção à Feira de Santana; outro carro, no Posto São João, acendeu os faróis e veio para a pista; quando passamos pela subestação de energia, tinha um carro parado no acostamento, com uma pessoa em pé ao lado e um transmissor nas mãos, seguimos igual a uma flecha e os três carros vieram atrás do caminhão. Valnei, que era bom de volante, dirigia pelo meio da pista para não dar passagem aos três carros. Quando chegamos na entrada do Pau-Ferro, Valnei cerrou e entrou no povoado, os três carros passaram diretos e o que se ouviu foi a cantoria dos pneus no asfalto com as freadas.

Pegamos uma estrada de chão e viemos sair cá no Anum e os três carros ficaram estacionados na entrada do Pau-Ferro esperando nosso retorno. Paramos embaixo do outdoor; escadas foram erguidas e o mascote do bando era Besourão, que com a rapidez de um gato, subiu no lastro superior do outdoor para segurar os cartazes e os rolos encharcavam com cola, gosto e boa vontade, a cara de Toninho Malvadeza. Era um retrato atrás do outro e o grande painel ficou democrático e combativo, com a fachada de Roberto Santos, Waldir Pires, Haroldo Lima, Luiz Nova e Luiz Marques. De ponta a ponta, a galera do bando de assaltantes do céu mostrou os dentes, num sorriso cúmplice e camarada. Ipirá também dizia não à ditadura.

Subimos pela rua de Feira, em direção ao Campo do Gado. A madrugada de Ipirá estava infestada de jagunços, paus-mandados, gorilas e a peãozada que colava cartazes do PDS em todas as casas, de todas as ruas, por onde ia passar o cortejo. Era um verdadeiro acinte, abuso de poder e desrespeito, porque não pediam autorização aos moradores. No Campo do Gado deparamos com um grupo que começava a colar cartazes do Malvadeza em cima de um painel que fizemos na parede de Menininho, com sua permissão: "Essa chama não se apaga" com a sigla do PMDB e uma chama saindo do nome. Valnei brecou o caminhão e saltamos o mais rápido possível. Raimundinho foi logo gritando "não toquem nessa parede ! pode tirar esses retratos daí". Luiz Marques foi logo arrancando os três retratos que estavam colocados no nosso painel.

Em meio a essa confusão, Ivan Lima atacou, pelo quintal de sua casa, com pedras, um grupo de paus-mandados que estavam fazendo colagem na rua do Cenecista e eles tiveram que correr para o Campo do Gado. Sem entender como tinha acontecido, um deles dizia: "poxa véio, ali teve uma chuva de pedra prá cima da gente, não sei de onde veio". Assustados, os coladores resolveram concordar conosco e um deles, mais compreensivo, disse: "é meu irmão, a gente não vai mexer na pintura de vocês não, podem ficar no sossego; a gente nem vota nesses cão, agora, a gente precisa de grana e tá nesse serviço, prá descolar uns trocados". Mantivemos guarda durante o resto da madrugada circulando pelas outras propagandas que tínhamos na cidade, enquanto a tropa de ACM pesteava e emporcalhava todas as casas com os estrumes da ditadura. Na Praça da Bandeira ficaram três casas sem o carimbo: o comitê, a casa paroquial e a minha.

Pela manhã, por volta das 7 h, o pessoal que ia de kombi para Feira de Santana, não entendeu nada. Mais de vinte homens no outdoor, tentando desgrudar as fotos do painel e um deles esbravejando dizia, "que cola da desgraça é essa ! se eu pego um comunista desse, eu ia fazer ele beber toda essa cola".

Quando o imperador ACM entrou na cidade, tudo estava em ordem; na frente do painel da parede de Meninho, eles colocaram um caminhão com lona alta na carroceria. O imperador ACM nada viu. Uma multidão aguardava-o em frente ao coreto da Praça da Bandeira. Com uma mangueira, o imperador da Bahia molhou o rosto com as mãos e jogou água no povo, dizendo-lhe: "Eu trouxe água para Ipirá, porque eu amo Ipirá e Ipirá vai me dá 100% de sua gratidão". O imperador ACM estava acompanhado do candidato a prefeito dos macacos, Humberto Colonnezi, e do candidato a prefeito dos jacus, Roberto Cintra, ambos, apoiando o poderoso chefão ACM, que apoiava a ditadura militar no Brasil. Ipirá foi a terceira maior frente que o PDS da ditadura obteve no estado, perdendo só para Juazeiro e Irecê.

E onde estava Diomário Sá neste momento ? Em Ipirá; na sombra e bebendo água fresca no meio da jacuzada; fazendo o possível e o impossível para agradar ao cacique político Delorme Martins. Eram tempos de ditadura.
Próximo artigo: Nos tempos da democracia.

4 comentários:

honosilva disse...

Agildo, continue narrando fatos acontecidos no nosso "CAMISÃO" com clareza,repassando assim informações importantes para aqueles que desconhecem fatos acontecidos no Ipirá.

Edilberto Lima Dultra disse...

Bom Dia;
Agildo, fiz parte de toda essa história, lembro bem das lutas e dificuldades enfretadas pela esquerda naquele período. Tinha pouco idade e começava minha militância política, e como é bom notar que as nossas propostas e idéias não combinavam com a idéias e propostas vista ontem e hoje pelos grupos dominantes. A coerência e determinação de pessoas como voçê, Lulu, Laurentino, Elói(RIP), Prof. Arnaldo(RIP), Dorian, e tantos outros que a minha memória é falha. Pena que alguns desses antigos companheiros com o passar dos anos(principalmente depois do anel no dedo), passaram a fazer parte da promiscuidade politica ipiraense. A utilização não só da expressão política, mas também das manifestações artísticas que eram criadas(tais como nosso teatro de rua, lembra?), as colagens, a militância sem hipocrisia e sem ser beócia. E o mais característico O VOTO CONSCIENTE. Espero que também um dia relate como este mesmo PMDB e o então "comandando" de Dr. Delorme, nosso atual Prefeito tem em comum(sabes do que falo!). Parabésn por sua retidão e inteligência com as palavras. E vamos a luta!!!!!!!

Lilian Simões disse...

O imperador ACM é ótimo...
Certo dia ouvi alguém dizer:"Se o império romano caíu,porque o império dele haveria de permanecer?".
Em todos os partidos há homens bons e ordinários também.No partido religioso de Cristo, eram ele e mais l2. Teve um ordinário que o entregou.Por isso eu não me iludo com nenhum partido.Mas acredito que ainda há seres íntegros,ou então tudo estaria perdido.Desculpa o meu jeito meio John Lennon de ser mas todo planeta deveria ter um partido único: O PARTIDO DA PAZ cuja obediencia seria única e exclusivamente à Deus.

" Não entendo porque os homens se escondem para fazer amor e matam uns aos outros às claras,em plena luz do dia"
(c|base numa citação de John Lennon).
Agildo,eu não pertenço ao seu partido mas acredito em voce.

GILVAN disse...

São Historias como essas, e pessoas como vc que me leva ainda acreditar numa sociedade mais justa. Mesmo vivendo em tempos de “globalização”, onde o ter vale mais que o ser. Não se prostituir ideologicamente e não se lambuzar nas belezas do sistema e do poder, são qualidades de poucos revolucionários, exemplo disso é o que estamos vivendo em nosso município essa grande novela das oito entre PT e Macacada, que não sabemos ainda se vai ou não ter um final feliz, sei que existe pessoas serias no PT de Ipirá, porem o pleito de 2008 estar servindo pra mostrar o lado DIREITA, que alguns deles sempre tiveram historicamente e ficava escondido atrás de bandeira de esquerda. Parabenizar o PC do B por representar historicamente o ideal de esquerda nesse município, mostrando-se nesse momento sua força e independência.
Com relação ao senhor Diomario existe uma frase de CHE que diz “não me espere para colheita, pois estarei sempre plantando”, essa figura sempre esteve na colheita, dificilmente ele ira plantar, colheu com a jacusada, colheu com macacada e agora estar com um discurso de esquerda ou Wagnistas pra colher no governo, colher Neuza e Pinheiro. valeu