terça-feira, 24 de maio de 2016

O JUMENTO

E agora, Fadigas? Com a devida precisão, eu posso afirmar, não votarei nem no jacu nem no macaco; nem em Santo Pedro nem em São José; nem no Diabo nem em Satanás, como vocês queiram. Aliás, esta questão do voto está nos limites da consciência ou da inconsciência de cada pessoa e a sua propagação não se faz necessário, mas as circunstâncias forçam certos esclarecimentos, sendo que, encerra-se o assunto.

Certas recordações são fantásticas. Fadigas era guarda da Sucam e tinha por desregramento habitual, obstinado, chegando a ser uma teimosia da qual ele não conseguia escapar, fazer uma fezinha no jogo do bicho. Fazia-o diariamente, não perdia uma corrida. Tinha o hábito de fazer seu jogo com Neném Maçarico, sempre trazia um sonho para ser decifrado e o cambista, com sua experiência e perspicácia, sempre dava um jeito de chegar a uma dezena.

-  Seu Neném! Eu tive um sonho meio encabulado. Sonhei com um jegue carregado de açúcar na ladeira da Caboronga, sem dono e sem tangedor. Qual é o grupo? – quis saber Fadigas.

-  Seu Fadigas! Não adianta esperniar, o jegue tem quatro patas, quem desce e sobe ladeira é bicicleta, quem vende bicicleta é a Radiofone, a Radiofone é de Arapiraca, o número da loja de Arapiraca é 75, então jogue 75 uma semana sem saltear que vai dar.

Passaram-se trinta dias e nada. Fadigas não falhou um dia, o palpite de Maçarico falhou trinta. Fadigas foi a Neném e reclamou, com razão, evidentemente.

-  Mas, seu Fadigas! O senhor disse que o jegue estava na ladeira da Caboronga, não falou se estava parado pra mijar ou esperando uma jeguinha; não falou se estava deitado prá descansar; não falou se ia prá riba ou de cabeça abaixo; não falou se o açúcar era prá comer ou vender; não disse nada disso, então, quem está na ladeira quer subir ou descer e quem sobe e desce é bicicleta, sendo desse jeito, eu estou certo e o seu sonho atravessado.

- Certo o quê, seu embusteiro de primeira linha! Eu vou agora mesmo dá uma queixa sua ao delegado Felix Mota.

Fadigas soube que em matéria de decifração de sonhos, dona Hosana era a especialista do lugar, acertava todas e não errava nenhuma. Tomando conhecimento desse fato, Fadigas dirigiu-se a dona Hosana, narrou-lhe o sonho e deixou-a pensativa, muda e concentrada por um bom tempo.

A casa de dona Hosana era uma espécie de santuário, durante o período natalino ela armava o presépio mais visitado na cidade e o resto do ano transformava-se no oráculo que detinha os segredos e comunicava os desígnios dos sonhos, também, interpretava os mistérios dos pesadelos humanos. Depois de longas horas de espera, Dona Hosana voltou a falar:

- Vosmicê me diz que é um jegue, certo? Na ladeira da Caboronga, certo? Carregado de açúcar, certo? Adveras de seu sonho sonhado tem muito a levar em consideração que açúcar vem da cana e cana tem nó e o jegue tem venta, vosmicê pode seguir sem pestaneja o noventa.

Fadigas deu um pinote e com confiança plena não parou de jogar, era noventa todo santo dia. Dona Hosana era dessas figuras carismáticas que enfrentava a vida pelo lado das suas dificuldades, mas sempre com a generosidade e a sabedoria que a vida nos dá, não deixando de dá suas estocadas sobre a existência humana: “ A inteligência é larga e percorre caminho; a burrice está amarrada num mourão, presa a uma paixão, não sai da rodilha, pensa que sabe e não sabe o que pensa.” Assim, dona Hosana passava os dias entre a sabedoria e os sonhos. Fadigas jogou a dezena noventa por tinta anos, cansado, desistiu numa quinta-feira, na sexta, noventa bateu no primeiro prêmio, deu o grupo do jumento, burro, jegue e semelhantes.

Esta estória deixou-me com uma certa impressão esclarecedora, porque comecei a ter uma visão mais abrangente e botei meu raciocínio para andar, comer poeira, como se diz no sertão, daí eu não ter a menor dúvida: se eu tiver pela frente um jacu e um macaco, eu prefiro o jumento, basta simplesmente, eu digitar 90 e confirmar. Assim vai ser, assim será.

Eu quero ver o jumento governando essa terra. Não prego voto nulo, porque na proporcional o meu voto é revolucionário, será dado com muito orgulho, eu não abro nem para um trem carregado de bomba atômica e no comando deste voto está Arismário. Disso ninguém tenha a menor dúvida.


Um alô para seu Tineck! alô Nei Beleza! Um alô para tantos outros que assim queiram caminhar! Faço o que posso e posso pelo que faço.

Nenhum comentário: