segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

É DE ROSCA.


Estilo: ficção.
Natureza: novelinha.
Capítulo: 16. (mês de janeiro 2009, - atualizado)

O governador virou ave de arribação e caiu fora desta cidade sertaneja, que se chama Ipirá. A comitiva foi atrás. A empregada Natalina ficou cara-a-cara com o prefeito Dió, que tinha ficado azuretado com ela. A empregada Natalina mostrava-se empolgada e não economizava palavras:
- Viu prefeito Dió ! como o pessoal todo adora carne de carneiro. A dona da justiça de Ipirá chegou a lamber os beiços.

- Deixe de lutrimento empregada Natalina, você me estrepou ? - afirmou o prefeito Dió.

- Eu ! o que é isso prefeito Dió ? Eu só fiz levantar sua guia com o governador. Não medi uma só palavra, prá mostrar que o matadouro tá empacado que nem jegue com medo de assombração.

- E quem é o responsável pela construção desse matadouro de Ipirá ? Sou eu. E quem não quer que esse matadouro seja construído ? Aí você não disse. Você não disse que já roubaram até os blocos que estavam empilhados lá na frente.

- Intonce o prefeito Dió tá nu dizê de qui é o povo qui não deixa construir o matadouro de Ipirá ? Aí o meu amo vai me aperdoá, mas quem tá aprisilhando o dito cujo é meia-dúzia de peixe graúdo que não sorta a caneta e vosmicê tá nu miolo.

- Chega, empregada Natalina ! de uma vez por todas, chega. Você é jacu e eu não vou deixar jacu trabalhando na minha prefeitura. Você está despedida.

- Mas, prefeito Dió ! eu não trabalho na prefeitura, eu trabalho é em sua casa.

- Pior ainda. Eu não quero jacu em minha casa de jeito nenhum. Saia agora mesmo. Com jacu é assim: arrume a mala e rua.


A empregada Natalina abriu o berreiro com um choro espremido e cadenciado, onde as lágrimas desciam em forma de cachoeira. Deixou a residência do prefeito Dió, com uma mala de madeira, dessas usadas por retirantes, e duas trouxas de roupa. Sem lenço e sem documentos, não tinha destino, muito menos para onde ir.

Ao atravessar a rua, a ex-empregada Natalina encontrou-se com a ex-empregada Tonha, que era chefe de cozinha na casa de Luiz do Demo, antigo PFL, travestido de PMDB. A ex-empregada Tonha tinha sido despedida logo após a derrota eleitoral, após uma firme dedução de que teria virado macaca, não merecendo mais confiança. Quando a ex-empregada Tonha avistou a ex-empregada Natalina, indagou-lhe:
- O que é que tá acontecendo cumade ? Prumode de que vosmicê tá nesse derretimento todo ?

- Cumade Tonha, vosmicê nem há de assuntá. O prefeito Dió me empurrou pru olho da rua ? disse a ex-empregada Natalina choramingando.

- Como ? E agora cumade, aonde é que a gente vai conseguir o que comê, se era vosmicê que matava a minha fome ?

- Num sei cumade Tonha, nós estamo intregue nas mão de Deus.

- Cumade Natalina ! veio umas idéia nos meu tutano, que eu vou dizê prá vosmicê.

- Desimbucha logo cumade Tonha.

- Já que dobrou a quantidade de sem-teto em Ipirá, vamo nus organizá. Eu como as comida das casa do doutô e vosmicê come as comida das casa das professora.

- Se assunte cumade Tonha, qui sabedoria é essa qui sai dos teu tutano, hém ! qué dizê, vosmicê come as comida da casa de Dr. Maurício, sarta duas casa cabeça abaixo; da casa de Dr. Gilvan; da casa de Dr. Caio; da casa do Dr. Pereira; deu quatro casa; e eu só fico com as comida da casa de pró Jandira e pró Aline; só duas casa. Se assunte cumade Tonha, vosmicê não deixa de ter as esperteza do jacu.

- Intonce cumade Natalina, prá num tê disavença entre nós duas, vamo fazê um acordo: subindo cabeça arriba, vosmicê fica com as comida da banda da direita e eu com as comida das banda da esquerda. Nada neste mundo vai fazê a gente dismanchá nossa amizade.

- Tá nus conforme cumade Tonha. Não é por pouca coisa que a gente vai se estranhá.

- Mas cumade Natalina, se aperguntá não ofende, prumode de quê o prefeito Dió empurrou vosmicê pru olho da rua ?

- Cumade Tonha ! eu vou arrespondê ao qui vosmicê qué assuntá. Só porque eu defendi os carneiro de Ipirá; só por isso, cumade.

- É o que eu digo, viu cumade Natalina: esses macaco é um cachorro.

- Cachorro não ! viu cumade Tonha. Dobre sua língua, ele paga em dia. Cachorro é aquele jacu, que só pagava com seis meses de atraso e ainda derrubou meio mundo de gente.

- Taí, cumade Natalina ! lave a sua língua prá falá do jacu. Se tem coisa que presta nessa terra é o jacu, o resto é meleca, inclusive vosmicê.

- Me arrespeite sua nigrinha ? - gritou a ex-empregada Natalina, dando um tabefe no rosto da ex-empregada Tonha, e as duas trançaram-se.


A rua estava vazia. Por mera coincidência, destas que só acontecem de século em século, quando o prefeito Dió saiu no portão, por causa do barulho da rua, Luiz do Demo, ex-PFL, travestido de PMDB, apareceu do outro lado. Como não havia ninguém na rua, exceto o bolo formado pelas ex-empregadas, que se engalfinhavam, os dois foram andando, saudaram-se no meio da rua e entraram para tomar um champagne.

A multidão tomou conta da rua. Os ônibus chegavam abarrotados de gente dos povoados e da zona rural. O povo acotovelava-se para dar uma espiada no Big Brother ipiraense. Nada apartava a briga. Tentaram de tudo e nada. Alguém na multidão deu a idéia: "Vamo chamá o delegado". Um voluntário disparou para a delegacia:
- Doutô Delegado ! o mundo tá se acabando na rua de doutô Delorme. Tá pió do que a invasão da Faixa de Gaza. Se o doutô Delegado não for lá, prá acabá com aquela ingrizilhada, pode ser o começo da terceira guerra no mundo.

- O que é que está acontecendo ? - perguntou o delegado.

- É uma briga de duas mulé. Tá pió do que os judeus com os palestinos lá no Oriente. Leve reforço, metralhadora, fuzil; leve a catinga; telefone prá O'brama; que o panavueiro tá um inferno.

- O que ? duas mulheres ? - o delegado, na maior paciência do mundo, olhou para o lado e pediu a um auxiliar - ô Lampião ! traga um cafezinho aí, depois você pega aquela garruncha enferrujada, de dois tiros, e traga prá eu botar na cintura.

- Mas doutô Delegado, o senhor vai com essa pistola velha ?


O delegado olhou fundo nos olhos do mensageiro e com toda seriedade desse mundo, disse-lhe:
- Eu vou acabar com esse fricote dessas duas mulheres com um grito; se isso não acontecer eu vou mudar meu nome para Carlos.

SUSPENSE: e agora ? o que será que vai acontecer à empregada Natalina ? O que será que o delegado vai fazer ? Natalina e Tonha para a cadeia ?

Leia o capítulo 15 ? dezembro 2008 - logo abaixo.

OBSERVAÇÃO: essa novelinha é apenas uma brincadeira literária que envolve o administrador e o matadouro e, sendo assim, qualquer semelhança é mera coincidência.

Um comentário:

Lilian Simões disse...

Agildo !!! Como vc teve a coragem de arranjar uma briga entre Natá e Tonha que eram tão amigas!? Se elas ficarem inimigas eu não vou te perdoar. rsrsrsrsrsr Vou torcer muito para que elas façam as pazes e nesse dia eu irei comemorar com uma "carta de Cordel". rsrsrsrs
Abraço e olha, a cronica está impagável!!!