sábado, 10 de dezembro de 2011

HOMENAGEM (PARTE 11)


Tratava-se de uma inauguração importante e o prefeito José Leão estava sentindo-se gratificado pelo cumprimento de uma promessa de sua administração e, também, pela alegria das pessoas, que se sentiam contempladas naquilo que se transformou numa expectativa muito grande e que seria equacionada naquela noite. Estava tudo preparado para ser uma grande festa. Tinha que ser uma grande festa.




19 h. Muitas gambiarras clareavam a área da praça das casas populares, que seria inaugurada. Um caminhão estava estacionado e seria o grande palco do evento. O prefeito José Leão e seus secretários já estavam à postos, aguardando o início das festividades com um forró da gota serena, depois um pequeno falatório e a continuidade do rala-bucho até o amanhecer do dia. Esta era a impecável e insubstituível programação, que não podia ter falhas, por hipótese alguma.




19:30 h. O sanfoneiro Isaac estava pronto. Guri preparado com o triângulo. Só faltava ele, o famoso zabumbeiro, que estava com um pequeno atraso, mas era uma figura indispensável, tanto pela capacidade como pela popularidade. O prefeito estava incomodado e começava a reclamar pelo cumprimento britânico do compromisso, o que deixava o sanfoneiro com uma dose de impaciência e o pessoal presente começava a ficar meio arredio.




19:31. Faltava o zabumbeiro, que estava chegando, pois naquele instante descia apressado pela rua Riachuelo em direção às Populares, que ficava perto e era questão de poucos minutos, quando passou pela venda de Políbio, ouviu alguém chamando-o:


- Zabumbeiro Dodó, venha cá! Eu quero contá uma prosa prá vos-mi-cê.




Dodó parou, olhou e encostou. Foi seu erro. Era Antão, um negro alto, com dois metros de altura, magro e forte, que nem jumento da mata da Caboronga; era um pigunço inveterado, desses que acorda cedo para beber e bebe para dormir e acordar cedo para beber. Quando Antão ia comprar farinha levava, em média, quatro horas para comprar uma quarta, ficava bambo, com as mãos na cintura e dizia:


- Na razura – virava a cara e o corpo – eu só quero se for na razura.




Ia na barraca de seu Antônio da Cacimba, tomava uma e voltava para junto do saco de farinha com a mesma ladainha:


- Pela razura, se não for pela razura eu não levo.




Sempre com o corpo empenado e as mãos na cintura tornava-se uma figura tragicômica e haja conversa:


- O home dessa terra é doutô Delois.



Antão, com o olhar vidrado, ainda meio em pé, mas com uma bambeza nas pernas, embora, ainda, até aquele instante, em que viu o zabumbeiro Dodó, dava uma aparência de que, ainda, tinha espaço para mais uma dosagem. Quando o zabumbeiro encostou, ele disse:


- Vamo tomá uma, vos-mi-cê não paga nada, qui eu quero contá um causo prá vos-mi-cê.




- Eu tô com pressa qui eu vou tocá nas popular.




- Não me apronte uma disfeita dessa, é só uma, e quem paga sou eu – virou para o dono da venda e completou – seu Políbio bote duas talagada de Abaíra aí.




Seu Políbio colocou os copos em cima do balcão, caprichou na talagada, copo cheio, e Antão desceu de um gole, era profissional; o zabumbeiro Dodó tentou imitá-lo, engasgou, mas desceu.




Antão grudou o zabumbeiro e deu um gancho no seu pescoço, Dodó tentou escapulir, mas estava grudado. Antão começou a contar o tal causo e dava um cochilo, acordava, voltava a contar o causo e Dodó seguro:


- Vos-mi-cê sabe, Dodó da Zabum... (cochilava)...




- Me sorta Antão! Qui os zome ta me isperano – dizia Dodó e nada adiantava.




Antão recobrava os sentidos e ia falando:


- Cuma eu ia dizeno, eu fiquei aonde... (cochilava)...




- Me larga Antão! Qui eu tou no cumprumisso de tocá zabumba nas populá – dizia o zabumbeiro.




- Eu vou dizê prá sua pessoa, qui vos-mi-cê é... (dormia)...




- Oxente, Antão! Tu toma jeito, isso é lá trabaio que se faça! Me sorta, home de Deus! – esperneava Dodó e nada de conseguir escapulir.




- Dodó zabum... tu é o mió zabumb... (dormia) – aí era que apertava o pescoço de Dodó.





22 h. Na praça, o evento não tinha começado e a impaciência já começava a ser notada, principalmente no prefeito, que já deixava transparecer:


- O qui é que ta acontecendo?




- É esse irresponsave do filho de Pijú que não chegou ainda, esse elemento deve ta trampuzinando em arguma trampizuma pur aí – explicava um assessor.




O povo estava ficando impaciente, mas o grau de tolerância só era amortizado porque tratava-se do querido zabumbeiro, se fosse outro, nessa altura dos acontecimentos, não haveria perdão para as bandeirolas que estavam enfeitando a praça.




Meia-noite. Antão grudado no pescoço de Dodó, não tinha esforço que conseguisse desfazer o gancho:


- Zabu... Dodô, vós-mi-cê.. eu ia ti dizeno qui.. (dormia e o nó no pescoço do zabumbeiro apertava).




Dodó esperniava e gritava:


- Mi sorta, fie de uma jega! Tu qué mi istrepá.




Duas da manhã. Antão bambeava e se aprumava no corpo dominado do zabumbeiro:


- Zabumb... Dodó... vos-mi-cê sabe qui...




- Me sorta disgraça! Eu num sei disgraça de nada não. Tu num ta veno qui eu vou tocá zabumba.




- Meu amigo Dodó da Zab... eu vou te contá um causo...




- Me larga trem ruim! Eu não quero sabê de cabrunco de causo nenhum, não! Eu vou inaugurá a praça das populá – dizia o zabumbeiro.




- Escuta aqui Dodó, vos-mi-cê mora no meu... (não completava a frase, dormia)




- Ô seu custipiu do cranco! Sorta meu pescoço sua misera. Tu mora é na casa da disgraça.




- Zabum... Dodó... o qui eu vou aproseá é muito import...




- Conta logo disgraça e mi sorta, qui eu vou tocá.




3 h da manhã. Não tinha jeito. O zabumbeiro Dodó esperneava e chorava. Quando pensava na bronca que ia levar do sanfoneiro, chorava mais; pensava na bronca do prefeito, aumentava o choro; pensava no pai Pijú, aí desabava o chororô. Políbio já estava com pena do sanfoneiro e aporrinhado porque só tinha vendido duas Abaíra, ao tempo que tinha que suportar aquela conversa de bêbado, já por oito horas, assim, virou para Dodó e disse:


- Por que vos-mi-cê num passa arguma coisa qui iscorregue no pescoço e escapole?




- Tem manteiga aí, seu Políbio? – perguntou o zabumbeiro.




- Eu tenho banha, custa cinco mil réis.




- Bote prá cá – disse apressado o zabumbeiro.




- Me pague logo – falou o dono da venda.




- Tome aqui, mi ajude a passar no percoço.




4 h da manhã. Passaram a banha no pescoço e Dodó subiu e desceu, não deu outra, escapuliu. Antão, dormindo, ficou com o braço na posição de gancho. Dodó chegou na praça, o sanfoneiro Isaac tinha pressa, mandou ver, o zabumbeiro acompanhava, mas seu pescoço estava torto e ele ficava inclinado com o olhar na direção do Monte Alto. O prefeito gritou:


- Vai tocá até meio-dia. Se não tocá de maneira arguma eu vou pagá.




- A praça tem gente? – perguntava o zabumbeiro, com o pescoço torto, ao sanfoneiro.




O povo desconfiou do zabumbeiro e um malandro gritou, chamando à atenção:


- O ZABUMBEIRO DODÓ TÁ PARECENO GALO COM GÔGO, SÓ FICA OIANDO PÁ RIBA.




6 h de manhã. A turma tomou conta e o côro da torcida ensaiava: “ô, ô, ô! O zabumbeiro ta de gôgo”. Por uma subida da praça chegou Antão, que já tinha dormido e preparava-se para tomar uma, avistou Dodó e chamou-o:


- Zabumbeiro Dodó! Vamo tomá uma, vos-mi-cê não paga nada, é tudo pur minha conta, eu tenho uma prosa prá contá pra vos-mi-cê.




8 h da manhã. O pescoço de Dodó estava mais torto ainda e seu olhar já estava para o céu.

2 comentários:

Rogerão da tora disse...

GENIAL,GENIAL,SIMPLESMENTE GENIAL.VC É O NOSSO DIAS GOMES QUE NOS FEZ RIR COM AS NOVELAS O BEM AMADO E ROQUE SANTEIRO DENTRE OUTROS.COLOCAR ANTÃO NESSE "SEU CAUSO" DANDO UM GANCHO EM DODÓ,FOI FANTÁSTICO. E ANTÃO ERA ASSIM MESMO.QUANDO BEBUM, CERCAVA TODOS QUE PASSASSE EM SUA FRENTE.ALIÁS PIOR DO QUE ELE TEM VÁRIOS. TÔ PENSANDO EM IR A IPIRÁ "TOMAR TODAS" E LHE "CERCAR" POIS TENHO UMA ISTÓRIA PRÁ LHE CONTAR. SÓ TEM "UM PEQUENO PROBLEMA";TEM HORA PRÁ COMEÇAR,SEM PRAZO PRÁ TERMINAR.TOPA AMIGÃO?.

Rodrigo Ribeiro disse...

Parabéns Agildo! Adoro suas estórias e Histórias. Vc é muito bom com a arte da literatura.