quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

VAQUEIRO FOI ATROPELADO POR MOTO.

 

O motoqueiro atropelou o vaqueiro, que perdeu as luvas, o gibão, o jaleco, a capa, o chapéu, a perneira, o sapato, o cinturão, todos eles confeccionados com couro curtido no Rio do Peixe, Umburanas e Malhador. Agoniza à beira da morte, parece que chegou a hora da mudança do tangedor; foi-se o vaqueiro. Vai o cavaleiro medieval com armadura de couro e entra o motoqueiro moderno com capacete de carbono.

A moto deixou para trás o cavalo, que não precisa mais de peitoral, sela vaqueira, arreio, pele para o lombo, rabicho, quarda-loro, cabresto, cabeçada, guias, cilhas, capas, estribos, rédeas, tudo feito com couro. O cavalo parece não querer mais trabalhar na busca do gado, prefere o passeio e a cavalgada. Aposentado, o cavalo é substituído pela moto que tange a boiada.

Nos primórdios da caatinga alta e fechada, o catingueiro desbravador embrenhava-se com suor, coragem e roupagem de couro em busca de “boi brabo”. Era a ‘civilização do couro’ que se estabelecia na fronteira do homem com a natureza. O homem tinha a parceria do cavalo.

Nos tempos áureos, Ipirá tinha centenas de milhares de caprinos e bovinos, era a “Terra do Bode.” O bode promove a produção de couro, que instiga o surgimento dos armazéns de Zé Leão, João Mamona, Euclides dos Santos, Virgílio, Hermes Mascarenhas, capitão Diógenes, Bianor Correia, que dinamizaram a economia local. Foi-se o tempo que suga as necessidades e ficam as quimeras. Não há mais necessidade de vaqueiros encourados, apresentam-se motorizados e encapuzados, são os gladiadores das pastagens que tomaram o lugar da caatinga.

A sociedade do couro agoniza a passos largos. O desmatamento da caatinga dá vazão às clareiras e com os pastos mudam-se as necessidades e os valores. No mercado local, o vaqueiro se foi e com ele a sua indumentária, que tem atributos para peça de museu. A produção declina, a comercialização decai. Foi-se o tempo. Tudo que fazia sentido deixou de fazer.

Do muito que era ainda resta pouco. Vende-se pele de bode e sola curtidas no Malhador, bainha para facão, jalecos. Vendiam-se caminhões e caminhonetes de selas, atualmente vendem-se quatro ou cinco selas num mês. São poucos os que continuam fazendo selas, Nai Grande, Nai Pequeno, Dilemar, Valter em Umburanas. A sela vaqueira é muito pesada e a australiana é leve. Por incrível que pareça o uniforme do vaqueiro ainda tem procura, mas são poucos que o faz e o jovem não tem interesse, preferem a carteira porque o couro não tem cheiro. O mercado ampara certas peças íntimas para o cavalo e Célio, Neném e Ivanildo do Rio do Peixe revendem em Minas, Sergipe e Sul da Bahia.

Mesmo com o couro agonizando, ele não perde sua importância como matéria-prima e mesmo passando a sua fase de ampla pujança, ocorre um momento de reestruturação, redirecionamento e repadronização dos artefatos de couro, saindo da produção rústica para uma produção mais aperfeiçoada com melhor acabamento e perfeição. Entramos na fase das carteiras, cintos e bolsas.

O empreendimento privado e não incentivo público buscou esse viés para o couro no município de Ipirá e surge a fabricação de artefatos de couro, voltado para a carteira e a coisa expande-se, prospera e estabelece-se para um mercado amplo que atinge todo território nacional. Surgem grandes lojas na Estrada do Feijão. Mais comércio que produção.

Entra em cena a Prefeitura de Ipirá querendo ser ‘a salvação da lavoura’. “Vai acontecer pela primeira vez uma feira do couro em Ipirá. Isso é um fato inédito, a dimensão de um evento desse tipo de certa forma é uma coisa extraordinária, nós estamos posicionando a nossa cidade dentro da cadeia produtiva do couro, Ipirá está virando referência” disse o prefeito no rádio.

Eufórico e embriagado pela descoberta, o poder municipal definiu, porque achou que descobriu a vocação econômica de Ipirá: o couro. “As pessoas estão se habituando a pensar na cidade e pensar o couro,” disse o prefeito Ademildo no rádio. Na idéia do prefeito, Ipirá vai virar um grande pólo do couro; segundo ele, Ipirá tem uma vocação, precisava ser despertada e acordar no sentido de se estar construindo como uma cidade pólo. Vixe, minha Nossa Senhora Santana! Não é que o prefeito de Ipirá descobriu que de ovo de saqué nasce pato.

Ipirá “Terra do Couro!” O prefeito quer mover a realidade com as idéias que saem de sua cabeça, mesmo sem querer pensar um pouco mais. Fato que nos obriga a ter um pouquinho de pensamento.

1.Incoerência na “Terra do Couro”: sem matadouro no município, todo couro cru de Ipirá é clandestino, porque é fornecido pelo abate clandestino, o poder municipal é o maior responsável por isso. Agora, a prefeitura vai defender ou ajudar a combater o abate clandestino?

2.Contradição na “Terra do Couro”: todo couro que é utilizado para fazer carteiras em Ipirá é importado de Petrolina, Juazeiro do Ceará, do interior de São Paulo e Goiás. É um couro industrializado e sintético, nem uma tira é produzida aqui, (aqui) é só costura (é montagem).

3.Realidade na “Terra do Couro”: as empresas de couro em Ipirá são mais comerciais, com um número muito restrito de produtos fabricados aqui, em Ipirá. São poucos itens para milhares comercializados.

4.Realidade crua na “Terra do Couro”: os artesãos do couro enfrentam uma situação bastante difícil, porque estão descapitalizados e numa atividade que entrou em declínio. Na “Terra do Couro” produzem, baixam o preço para vender à prazo e penhoram o prazo com terceiros. É uma roda-viva. Desde quando, o Poder Municipal descobriu a vocação econômica de Ipirá, qual é a garantia que vai dar a quem produz com couro? Vai deixar os produtores nesse estado quase falencial?

5.O crime na “Terra do Couro”: se o prefeito atual tiver plena razão no fato de que realmente Ipirá é a “Terra do Couro”, o ex-prefeito Diomário é o maior irresponsável e incompetente gestor que este município já teve, porque foi de uma estupidez tão grande que não percebeu que o espaço mais apropriado para um pólo de fabricas de artefatos de couro, em Ipirá, era entre a fábrica Paquetá e o Posto Augusto’s. Ele construiu casas populares que seriam bem adequadas em qualquer outra área. Foi um corte na possibilidade do desenvolvimento de Ipirá, assim impediu a boa perspectiva de organização do setor do couro numa área nobre e apropriada.

6.A grande contradição na “Terra do Couro”: a prefeitura empenhou-se na realização da feira do couro. Agendou até show para ter público. Essa mesma prefeitura marcou para o dia 18 de dezembro a transferência da feira de animais para o Parque de Exposição e não teve a honradez de divulgar com carro de som no chiqueiro onde são vendidos os animais atualmente, para informar, explicar e convidar compradores e produtores. Não fizeram o menor planejamento.

7.Uma imensa contradição na “Terra do Couro”: no convite tem “para fortalecer toda a cadeia produtiva do couro em nossa região”, no entanto, estão fazendo uma transferência ‘à migué’ da feira de animais, que é o alicerce para o couro; ninguém sabe de nada, nem produtor em comprador, também pudera: Ipirá é a terra do couro e Pintadas é o pólo coureiro.

8.A lição na “Terra do Couro”: se não ficar a lição a feira servirá para pouca coisa. Uma coisa o poder municipal tem que compreender: tudo o que vocês fazem, vocês serão os responsáveis, até mesmo por criarem obstáculos ao desenvolvimento de Ipirá. Até mesmo, porque são quatro grandes lojas de couros e algumas dezenas de produções, mais algumas dezenas de terceirizadas, por outro lado, são 6.320 propriedades rurais que precisam produzir para vender. Onde é que está a vocação econômica de Ipirá?

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