domingo, 14 de fevereiro de 2010

É DE ROSCA

É DE ROSCA.

Estilo: ficção
Natureza: novelinha
Capítulo: 22 (mês de julho 2009)
---- reprise ---- reprise ---- reprise -----

Cena de rua.
As ex-empregadas Tonha e Natalina estavam abraçadas, levando uma boa prosa. A população de Ipirá estava apaziguada e procurava discutir idéias, propostas e soluções para o município, na perspectiva da melhoria da vida de toda a coletividade e não de uma minoria.

Quando menos esperava-se, surge uma figura estranha dando saltos em cima dos telhados das casas da rua. O primeiro sujeito a observar, não perdeu a oportunidade de ser o primeiro no palpite:
- Olha! Lá em cima da casa! Não é macaco, nem jacu. Que desgraça é aquilo ?

O bicho deu um peido e uma cambalhota caindo no meio da rua, bem no centro da multidão. Dava gargalhadas e soltava bufa que formava uma nuvem amarelada, com um fedor azucrinado de enxofre. Ficava pulando enquanto falava:

- Há! Há! Há! Que tristeza é essa ? Por que esse povo está tão triste ? Cadê a alegria dessa gente ipiraense ? Onde está a paixão de vocês ? vocês vão ter que viver só na emoção. Vocês não podem viver como gente; pensando como gente; agindo como gente. Vocês são jacus e macacos, e nada mais do que isso. Ser jacu e macaco é ter alegria; é aproveitar a vida, mesmo para aqueles que vivem na pobreza. Chega de tristeza, minha gente. Viva a raiva; tenham ódio; tenham inveja; torça pela desgraça de seu semelhante; faça tudo para que o outro se lasque. Um pobre só sobe na vida se pisar no pescoço de outro pobre. Um arrombado tem que lamber o saco de rico. Há! Há! Há!.

Natalina tacou um tapaço na cara de Tonha, que revidou na hora. As pessoas tomaram partido e a fuzarca estava formada novamente. O bicho dava gaitada e festejava:

- Há! Há! Há! É isso aí. Fure os olhos dessa que ta aí na frente; bate nela; esmurra; aplica uma voadora; é isso aí; mete o dedo no furico dela; não, aí não ! mais embaixo, no furico, sim, aí, agora lasca; joga no chão; chuta o saco; dá dentada sua besta. Pau neles jacuzada; empurra no buraco deles macacada; enfia jacuzada; atocha macacada; arrocha jacuzada, incarca macacada. Há! Há! Há!.

O bicho tinha meio metro, dava um pulo e ficava com dois metros e meio; sentava e o rabo crescia; dava uma risada e ficava suruco; ficava de quatro; andava com um pé só; pulava com dois; tinha pelo, mas também aparecia lanzudo; modificando-se a todo instante; transmutava-se a todo momento. Deu um peido e pulou para dentro da residência.

Cena dentro da residência.
Com esse pulo o bicho caiu dentro do quarto do prefeito Dio, que dormia, mas acordou com o tombo e sentiu um cheiro horroroso de enxofre. Esperto, o prefeito Dio só abriu um olho, para enxergar melhor o que estava acontecendo. Quando viu o bicho pensou: “que bicho esquisito é esse ? Nem no meu quarto tenho mais sossego. Isso aí só pode ser um macaco fantasiado querendo emprego ou um saco de cimento”.

O bicho deu uma bufa que deixou o prefeito Dio atordoado e tonto, mas mesmo assim, ainda conseguiu sentar na cama, com os dedos tapando o nariz e disse com a voz fanhosa:
- Você vem para o meu quarto e ainda solta uma fedentina de ovo podre com cebola bem na minha cara. Peça logo uma cesta básica que eu dou a ordem.

- Há! Há! Há! Veja bem como você fala comigo, prefeito Dio. Eu sou Belzebu. Tire logo essa mão do nariz para sentir o meu perfume. Fique sabendo que não gosto de ser destratado. Não quero e não preciso de sua esmola. Eu sou rico; eu sou um rei, o rei das trevas; eu sou poderoso, eu tenho poder; quem faz pacto comigo é sempre poderoso, ta ligado. Há! Há! Há!.

Ao ouvir a palavra poder, os olhos do prefeito Dió faiscaram e soltaram um brilho luminoso, sendo que, ele fitou nos olhos do bicho e percebeu um olhar vermelho-brasa, aí perguntou:
- Belzebu ! você tem alguma firma para prestar serviço na prefeitura ?

- Me trate com seriedade, prefeito Dio. Não me chame de você. Eu sou Pé Redondo, o bom da bocada, e vim aqui na sua casa, justamente no capítulo 22 da novelinha. Eu sou o 22 das parada e diga aí para eu empurrá.

- Lá ele, seu Pé Redondo, sem essa. O 22 que empurra aqui sou eu; os outros, o resto, só faz receber. Ta querendo me tirar como otário, seu Pé Redondo, sem essa.

- Eu exijo respeito, prefeito Dio. Eu sou o Rabudo, e agora quem manda nesse pedaço sou eu, e você vai me obedecer. Preste bem atenção: vai aparecer um louro papagaio (desistiu) por estas bandas, arranque as penas dele prá o sujeito ficar despenado. Quando a personagem (Cadore) da novela da Globo aparecer, não queira nada com ela, mande ela fazer novela mexicana no SBT. Corte o pé de Oliveira (deputado), arranque os galhos e toque fogo. Não dê bobeira, meu candidato a deputado é você, prefeito Dio. Você é o melhor candidato a deputado desta terra. Há! Há! Há!.

- Eu também acho, Dr. Rabudo, mas tem dois porém: essa crise financeira mundial deixou a prefeitura lisa e aí, o Dr. Rabudo vai ter que dar uma contribuição significante. Quanto a isso eu estou tranqüilo. Mas o problema é quem vou deixar no meu lugar; o homem é mão aberta, dá tudo o que a prefeitura tem.

- Há! Há! Há! Me trate direito, prefeito Dio. Eu sou Satanás, o bom conselheiro, e já disse, pegue o seu vice Didude e bote no seu gabinete, depois, bote tudo de errado prá cima dele e largue um pontapé no traseiro dele. Há! Há! Há!.

- Mas que violência é essa, mister Satanás ? Para que isso ? Eu sou partidário e dou preferência ao método frio, calculado e civilizado. Eu vou botá-lo no meu gabinete; ele vai pensar que está com a bola toda, depois eu invento uma reforma no gabinete; digo a ele que vou ter que trocar os móveis e fazer uma pintura, aí com o cheiro da tinta ele cai fora. Gostou, mister Satanás ?

O bicho coçou a cabeça e sentiu que em matéria de sagacidade ele estava diante de um mestre. Como estava perdendo terreno, soltou um traque de massa, tipo bufa-de-véio e foi dizendo:

- Me arrespeite, prefeito Dio. Eu sou é o Capeta e estou aqui para orientar a sua pessoa nessa questão de administração e eu quero dizer que em sua gestão está acontecendo uma grande besteira, que é esse negócio de fazer matadouro de bovino e ovino em Ipirá. Não perca seu tempo com isso não, home. Mande esse povo matar bode e ovelha lá em Pintadas.

- Não é que Vossa Excelência Capeta tem razão. Se Pintadas tem, é mesmo que Ipirá ter. É isso mesmo Vossa Excelência Capeta, até que enfim vi alguém pensar como eu penso.

- Prefeito Dio ! prefeito Dio! Me trate direito! Eu sou o Cão, o mais lindo dos lindos. Vê se esse povo ta reclamando ao comprar a carne que vem de Feira ? Vê lá se os marchantes não estão vendendo a carne de lá ? E além do mais, eu tenho um pacto com uns coligados aí, que lucram com a carne de Feira e eles têm que ficar ricos nas costas desses trouxas. Mande derrubar aquelas paredes daquele matadouro e bote esse dinheiro em festa; faça festa; reforme praça; faça cagador e deixe fechado no dia da festa de Santana, não abra por nada. Isso é que é administração.

- Tai, já comecei a gostar de você, Meritíssimo Cão. Até que enfim encontrei alguém que pensa igual a mim. É isso mesmo, Meritíssimo Cão, vou seguir seus sábios conselhos.

O bicho botou um pé na cabeceira da cama, abriu o compasso e soltou um petardo com cheiro de enxofre, ovo goro e batata. O prefeito Dio já estava acostumando-se com aquela fedentina. O bicho foi dizendo:

- Prefeito Dio! Prefeito Dio! Veja lá como me trata. Eu sou o Rabujento, o rei que cavalga à noite, e eu pergunto: Para que Ipirá quer matadouro ? Que use o de Feira. É mais lucrativo para a prefeitura de Ipirá, que não terá mais despesa. Prefeito Dio, deixe a economia de Ipirá se estrepar, você estando numa boa é o que importa. Abaixo o matadouro! Nada de matadouro! Quem gosta de matadouro é São Nunca. Há! Há! Há!

- Taí um argumento que eu gostei de ouvir, meu nobre Rabujento. Gostei de sua opinião, mas eu penso um pouco diferente, observe bem, eu vou fazer de conta que estou fazendo o matadouro e o povo de Ipirá vai fazer de conta que está vendo eu fazer o matadouro, no final, não me canso de fazer e o povo não se cansa de esperar.

O bicho botou a mão no queixo; soltou uma saraivada de peido, cheirando a fato acebolado e carniça de boi, sendo que, o prefeito Dio, nem tum, nem botou o dedinho para tapar o nariz. O bicho viu que aquele duelo de sabedoria pendia mais para o outro lado e procurou disfarçar mudando o alvo para outra conversa:

- Prefeito Dio! Quem vai se cansar de lhe avisar para me tratar melhor sou eu, pois eu sou o Lúcifer, o quebrador das baladas, e agora, eu quero conversar com esse seu amigo e correligionário, que está dormindo no sofá. Quem é ele ?

- É Luiz do Demo, majestade Lúcifer.

- Prefeito Dio! Vê lá home o qui tu fala, porque eu sou o Demônio, o majestoso maligno, e não tô prá brincadeira. Eu te boto numa vara de espeto se tu fizer esse matadouro de Ipirá.

O bicho ficou em frente ao sofá e com fuzarca acordou o dorminhoco ex-prefeito Luiz do Demo (que só quer ser PMDB):
- Que prazer falar com meu Luiiiiiiiiiiiiiiz. Como você é falado no meu reduto. Lá, tem um sujeito da cabeça branca que só fala em você. Eu não consigo lembrar o nome dele, também tenho pouco estudo, mas o que ele mais quer é ser o rei do meu pedaço e do jeito que vai, vamos ter que dividir o inferno.

Luiz do Demo (que se diz PMDB) saltou do sofá, pegou uma cartilha que estava em cima da estante e disse para o bicho, que virou um jegue seboso, cinzento no dorso, com focinho de porco, orelha de cachorro, pelo de porco-espinho e rabo de vaca:

- Venha cá, vou ensinar a leitura para você. Está vendo essa primeira letra do alfabeto, é o A. Preste atenção, que eu vou perguntar: e a segunda é ? Não, seu burro, não é o C. Preste atenção, e esse M de Maria, como se fala? Não seu idiota, seu jegue, nem eu dizendo você acerta. Você é tão ignorante que nem três letrinhas você sabe unir.

O bicho franziu a cara e começou a sair lágrimas dos seus olhinhos de ET. O prefeito Dio, olhou para aquela figura e pela primeira vez na novelinha, ele ficou com pena de alguma coisa, seja lá o que for. Desta vez, ele ficou com uma pena danada do bicho e pensou: “No dia em que eu deixar de ser macaco, eu quero ser esse bichinho bonitinho, pois nunca vi coisinha mais sabida”.

Suspense: e agora ? o que será que vai acontecer ? carne de carneiro ? o matadouro ? você acredita nele ? só falta apelar para quem ?

Leia o capitulo 21 (junho 2009) lá, lá, embaixo.

Observação: essa novelinha é apenas uma brincadeira literária, que envolve o administrador e o matadouro e, sendo assim, qualquer semelhança é mera coincidência.

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