sábado, 23 de outubro de 2010

HOMENAGEM (parte 6)


O trio de Isaac Sanfoneiro, escorraçado e fugitivo de Ipirá, refugiou-se em Pintadas. O menino Dodó da Zabumba começou a mostrar-se pelas ruas do distrito, com uma camisa de manga comprida, nas cores amarelo e preto, parecendo couro de onça e uma calça verde-sumo, ao tempo que colocava os óculos escuros para distribuir charme e devido ao sol escaldante de Pintadas.

Aquela nova figura começou a despertar corações e atrair, para si, olhares apaixonados. O zabumbeiro Dodó ficava cada vez mais cheio de pose. Depois de algumas apresentações o alvoroço feminino aumentou em torno de sua pessoa. Dodó não podia ficar em casa e muito menos ir para a rua. Onde estivesse era atacado. O que mais ouvia era um tal de: “pão” prá lá e “pão” prá cá; “venha cá meu zabumbeiro”; e por aí a coisa ia esquentando até pegar fogo.

Certo dia, à boca da noite, o zabumbeiro Dodó foi atacado por uma mulher, que o jogou contra a parede dizendo:
- Meu pão gostoso! Ta faltando tu fungá nu meu cangote.
- O que é isso dona? Com uma prosa dessa a dona intorta o meu verso. Do jeito qui eu tô bateno zabumba, eu só vou tê uma folga daqui a três mês, até lá a dona tem qui ficá na fila.

A mulher puxou uma serra e encostou-a no pescoço de Dodô e foi dizendo:
- Se tu num atendê o meu chamego eu toro o teu pescoço em dois.
- Oxe dona! Tire essa serra inferrujada do meu pescoço. Quem já se viu querê assustá os ôtro cum uma serra vagabunda dessa, nem Starret é essa porcaria.
- Eu carrego essa serra é no meu coração e si tu me atraiçoá eu arranco os teus bagulho.
- Oxente dona! No meu coração eu só carrego amor prá dá. Serra xexelenta e ordinária eu num quero nem prá serrá chifre de chifrudo. Isso é lá coisa de gente de bem carregá na gibeira ? Eu num quero sabê do qui não presta.
- Vê lá cuma é qui tu vai depositá teu voto de cunfiança, qui de agora pur diante tu vai se vê cum minha pessoa e cum minha serra.

O zabumbeiro Dodô era determinado, mas, também, não era de ferro e ficou aturdido depois que teve aquela serra enferrujada encostada no pescoço. Levou alguns dias preocupado, mas, sem demora, apareceu na sua vida uma nova e doce esperança. Era uma menina de cabelo curto, que gostava de usar laquê e possuía um sorriso meio forçado. O zabumbeiro Dodó enxergou com clareza o seu verdadeiro caminho e sem perda de tempo foi perguntando:
- Qual é sua graça?
- Dilma – respondeu a menina.
- Bom, Dilma. Nós dois ainda não começou a namorá e eu já tô apaixonado por tu.

A notícia desse novo amor espalhou-se rapidamente e chegou ao conhecimento da concorrente que usava uma serra, esta por sua vez, baixou o nível da disputa e do debate, e quando encontrou o zabumbeiro foi mostrando-lhe a serra enferrujada e dizendo:
- Olha seu cretino, essa mulerzinha é macumbeira; arranca minino do bucho; num acredita in Deus e só torce pru Diabo e eu vou infiar essa serra nas tripa dela e vou te capá cuma se capa bode na fazenda Cais.

O zabumbeiro Dodó suava frio só de pensar em estar dormindo e acordar capado por serra ou com o pescoço cortado pela serra. Deu tempo correr, mas antes ainda falou:
- Lá ele; o cão é que quer uma serra inferrujada; chega prá lá, ti discunjuro.

Não teve jeito. A situação, nesta disputa, era favorável à Dilma. A figura que carregava a serra enferrujada era muito baixa, não subia de jeito algum, embora pressionasse um pouco, mas sem ser uma ameaça concreta e, por isso, no dia 31 de outubro, Dilma foi para Brasília, deixando um bilhete para o zabumbeiro Dodó: “Querido Dodozinho. Estou indo para Brasília; obrigado por confiar em mim. Eu sei que vou fazer muito por todos nós. Pintadas 31 de outubro. Dilma.”

O trio de Isaac Sanfoneiro apresentava-se numa quermesse na porta do Mercado e Dodó com a zabumba era um espetáculo à parte, neste exato momento, apareceu a tropa de elite da polícia de Pintadas: Pedrão, com dois metros de altura e três de largura; Oliveira, com um cacetete do tamanho de uma estaca; João, que tinha uma mão do tamanho de uma pata de onça e que era irmão da mulher da serra, que apontou dizendo:
- Meu devedô é aquele ali, o tocadô.

O zabumbeiro Dodó saiu de mansinho, disfarçando, diminuindo o ritmo da zabumba, que deixou no chão e disparou na correria. Era tarde. Pedrão deu uma rasteira e a mão de onça segurou-o pelo pescoço, enquanto esfregava sua cara no chão.
- É tu o sujeito sem-vergonha que desonrou minha irmã ?
- Qui cunversa é essa seu guarda! Bota essa boca prá lá seu guarda. Eu sou é florzinha, eu gosto é de home assim como o seu guarda – falou o zabumbeiro com a voz afeminada.

- Tu toma vergonha nessa cara seu franginha. Foi esse minha irmã?
- Foi sim, Jão.
- Num fui eu não seu guarda. Foi meu irmão Ramiro Taco Roxo.
- Vamos cumprová isso direito. Minha irmã, mi diga, o taco dele é roxo?
- É roxo Jão, é bem roxo.

O soldado João examinou e concluiu:
- Esse zabumbeiro é marica de nascença – e virando-se para Dodó, disse-lhe – olha sua mariposa, tu tem dois minutos para sumir de minha vista, senão eu te entrego para a serra enferrujada fazer um servicinho nus teus quimba.

O zabumbeiro Dodó saiu numa disparada que não ficou nada na dianteira que ele não levasse no peitoral, foi catinga de porco, palmatória, mandacaru, calumbí e o que mais aparecesse pela frente. Pela manhã estava em Ipirá.

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