domingo, 4 de março de 2012

A realidade nua, crua e seca.





A saída da Nestlé de Ipirá, na década de noventa, do século passado, foi o primeiro sinal e a significação de que, naquele instante, estava batido o carimbo: “o município de Ipirá não tinha futuro como bacia leiteira.” A Nestlé foi-se. O Poder Público Municipal não esboçou a menor preocupação. Os produtores não se incomodaram.



O segundo sinal foi dado por Itamar o “Homem de Alagoinhas”, que na fazenda de Geraldo, perto do povoado Umburanas, deu o seu parecer. Estávamos sentados à sombra do curral, sob o sol escaldante das 14 h; a terra tórrida tremulava diante dos raios solares que atingiam o solo; o gado bovino pastava numa terra ressecada sem achar nem um babuje. A seca era inclemente.



O “Homem de Alagoinhas” não pestanejou e comentou: “Não sei quem botou na cabeça desse povo que Ipirá é lugar de bacia leiteira.” Naquele instante, tomei minha decisão: sem estrutura, deixei de criar vaca. Foi a melhor coisa que fiz. Estávamos em 2008.



O “Homem de Alagoinhas” continuou sua peregrinação, era o anjo-bom, expurgando e livrando Ipirá do sofrimento. Era a personagem mais procurada em Ipirá. Para encontrá-lo era necessário agendamento e aguardar. Comprou carretas e mais carretas de gado bovino. A arroba custava cem reais e ele pagou a cinqüenta reais. Selecionou as melhores e lucrou mais de um milhão de reais. Era a riqueza do município esvaindo-se de mão beijada.



A estiagem é uma constante de todo ano. A realidade inclemente, dura e difícil torna-se crucial para o homem do campo. Neste instante, Ipirá mostra as suas entranhas e a zona rural do município está à beira da calamidade pública e entrará em falência se não chover em março/2012. Falta água para o gado e para o catingueiro; falta comida para o gado.



A estiagem prolongada atinge o coração da economia do município, ou seja, desmonta e desmantela a produção. Sem produção o município entra em crise. A economia depaupera-se. A manutenção do rebanho em condições adversas é extenuante. O setor produtivo fica em dificuldades, em precariedade e a pobreza estende-se por toda zona rural, desta forma, o comércio urbano perde a base de apoio.



O município de Ipirá possue 6.813 propriedades rurais, em sua grande maioria são de pequenos proprietários, de característica familiar, com baixa produtividade, com custos operacionais sobressalentes elevados, devido à seca; descapitalizado para investimento em infra-estrutura, com rendimento precário, sacramenta o nível de subsistência de nosso município. O nosso quadro é de carência.



A seca absorve parcela da produção e eleva o custo da mesma. Com a produção rural atrofiada o município fica estrangulado e subdesenvolvido. Longe da transposição do rio São Francisco, a solução apresentada é a velha, tradicional e irremediável utilização do carro-pipa, indicando que Ipirá continua no mesmo patamar da década de 50 do século passado, além do mais, esse tipo de solução representa um paliativo e não a eliminação de um problema, também, determina a posição de Ipirá na escala de investimento do governo estadual, a última escala, a de subsistência pura e simples.



Insisto neste ponto essencial, Ipirá não está no foco de investimento do Estado como pólo produtivo e de desenvolvimento. O grande problema é que Ipirá está demarcado e ferrado dentro dos parâmetros do assistencialismo elementar para garantir a fixação da população na localidade, em altos níveis de carência com suporte das políticas públicas assistencialistas, sai mais barato para os órgãos públicos e rende votos.



Estamos na dependência do carro-pipa. Existe uma verdadeira indústria de carros-pipas alimentada pela seca. O governo da Bahia gasta 17 milhões somente em carros-pipas, é uma dinheirama em água. O valor cobrado pelos pipeiros é feito com base na quilometragem rodada pela área rural dos municípios, mais a especulação. Uma viagem particular da sede para o Rio do Peixe custa R$ 200,00.



São feitos convênios do estado como o Ministério da Integração e são contratados particulares para prestarem o serviço. O repasse feito pelo Ministério da Integração para a Bahia e gerenciado pelo exército perfazem um total R$ 16.966 milhões. O Exército controla 671 caminhões-pipas com um gasto médio de R$ 25,2 mil por veículo. O Ministério da Defesa já destinou R$ 240 milhões só para carro-pipa. Enquanto R$ 30 milhões foram prometidos à Bahia para aguadas e sistema de abastecimento simples. A seca consome um rio de dinheiro.


Ipirá tem dois grandes esgotos, ao ar livre, cortando a cidade. Nas proximidades da sede, em direção à Itaberaba, fizeram um represamento com sacos de areia e acumula-se água do esgoto. O carro-pipa vem e leva essa água para os tanques das fazendas para o gado beber. Se solicitado, o proprietário do mesmo carro-pipa carrega água da Embasa para a população beber, como se não houvesse resto da água do esgoto, ou não tivesse contaminação de coliformes fecais no tanque do carro-pipa. Ipirá não quer fazer parte da indústria da seca; Ipirá necessita de uma infraestrutura que dê condições de conviver com a seca. Esse é o caminho, o resto é balela.


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