quinta-feira, 24 de novembro de 2011

HOMENAGEM (parte 10)





O São João era a festa do catingueiro. O zabumbeiro Dodó estava preparado para a façanha número um da festa, que acontecia na Praça da Bandeira, em frente à casa do juiz da comarca, Dr. João Cavalcante, que preparava a maior fogueira da cidade e colocava no alto da árvore a maior cédula da época, cem cruzeiros, para o destemido que ousasse abocanhar aquele prêmio.




O zabumbeiro Dodó era um dos aguerridos aventureiros. Molhava todo o corpo e cobria-o com calhamaço, ficava olhando pela greta da porta na casa do professor Arnaldo, que era vizinha à casa do juiz, quando a árvore da fogueira pendia e a chuva de espada caia em direção à fogueira, o zabumbeiro partia como uma pantera na cata da presa, saltava e com as garras arrancava a cédula e levava de lampejo uma lata de goiabada, sem levar um risco de espada. No outro dia pela manhã, a turma do fundo da Igreja tirava uma lasca de doce e aumentava a admiração por Dodó de Pijú.




Quando a noite começava a mostrar sinais de vida, o zabumbeiro Dodó, dirigiu-se ao salão da prefeitura para o grande baile junino, onde tocaria o sanfoneiro Jacinto Limeira, o homem do sapato branco. Na porta da prefeitura estava aglomerada uma grande quantidade de pessoas, principalmente meninos, que não podiam adentrar ao recinto. Dodó chegou sozinho, camisa quadriculada de manga comprida comprada no Paraguai, sapato mocassim branco da rua Chile e uma zabumba no ombro. Dirigiu-se à portaria, comandada por Negão de Tiburciano, e foi entrando.



- Êpa, para aí! Isso aqui é o quê? Isso aqui é casa de Noca qui ientra quarqué um? Aqui não é lugar prá rabugento não – falou Negão de Tiburciano.




A pequena multidão que ficava na porta redobrou a atenção. O comentário foi passando de boca a boca: “barraram Dodó no baile da prefeitura.”



- Eu vou entrá e se eu não entrá não tem festa – falou Dodó.




- As festa dos ributalho da sua trempe é lá no armazém de Herme, aqui é prá quem tem posição na sociedade – argumentou Negão de Tiburciano.




- Quem és tu Coriolano, pra obstrucionamentemente impedimentemente arremetemente contrapentemente a minhamente personalinissimamente pessoa de adentramente chegar até o recinto deste solenemente salão? – indagou o zabumbeiro Dodó utilizando a língua torta aprendida no istrangeiro.




Negão de Tiburciano ficou assustado, porque não entendeu nada e de repente, quem sabe, o mundo dá muitas voltas e quem tem cerimônia não arrisca um palpite extraviado no jogo do bicho, chamou Neném Maçarico no canto e pediu-lhe:”Maçarico, vá na casa do coronel Madureira e diga que tem um filho de Pijú querendo intrá na prefeitura, se é pra deixá intrá.”



- Negão! Você escolheu a pessoa certa para dá o recado, pode deixá que eu vou lá correndo – disse Neném Maçarica.




Chegando à casa do coronel Madureira, que ficava do outro lado da praça, Neném, meio esbaforido, foi logo dizendo:



- Coronel Madureira, Negão mandou eu lhe avisá qui tem um filho de Pijú qui qué intrá na prefeitura de quorqué maneira e tá cum uma pexeira na cintura e ta arrotando qui vai acabá a festa.




- Diga a Negão que aguarde um pouco e evite qualquer confusão, que daqui a pouco eu chego lá e resolvo essa pendenga.




Não demorou dois minutos, Maçarica riscou na porta da prefeitura, chamou Negão e deu o recado:



- Negão! O coronel Madureira mandou dizer qui num pense duas vez im dá dois tabefe na cara do sujeito, purque muleque ordinário só conserta com umas boa bordoada por cima do rim.




Neste exato momento, chegou Jacinto Limeira, o homem do sapato branco, exímio sanfoneiro e atração do grande baile, que tinha chamado o zabumbeiro Dodó para ser o tocador da zabumba naquela noite de gala.



- Olha só quem já está aqui, o meu grande zabumbeiro de Ipirá, o Dodó, que vai me dá a honra de acompanhar-me nesta grande e inesquecível noite. Vamos entrando meu zabumbeiro.




- Seu Jacinto! Em primeiro lugar, eu não sou o maior zabumbeiro de Ipirá, eu sou o maior zabumbeiro do Brasil e em segundo lugar, não vai ter mais baile, porque nessa prefeitura eu não entro.




Negão de Tiburciano mudou de cor, ficou rosa, e procurou uma saída para aquela baralhada que ele mesmo tinha propiciado.



- O que é isso seu Dodó! Eu sou um admirador de sua pessoa e Ipirá todo quer vê o senhor tocá cum seu Jacinto.




- Eu não entro e não tem festa – disse o zabumbeiro.




- Mas seu Dodó, vois-me-cê sabe cuma é, quem recebe orde muitas das vez tem umas orde meio atravessada qui a gente tem qui cumprí, mas vois-me-cê é gente da sociedade e ninguém é doido de barrá vois-me-cê na portaria da prefeitura, ali foi só prumode de qui ainda tão varrendo o salão e era pra vois-mi-cê não ficá impoeirado – argumentou Negão.




- Eu não entro e não tem festa. Pra eu entrá aí você vai tê qui passar o lenço no meu sapato mocassim para aumentar o brilho – falou o zabumbeiro.




- Pois não seu Dodó, só se for agora mermo – disse Negão e passou o lenço no sapato branco do zabumbeiro.




- Quanto é que você tem no bolso Negão? – indagou o zabumbeiro.




- Tenho quarenta cruzeiros, seu zabumbeiro.




- Eu só entro aí se você me pagar cem cruzeiros – disse o zabumbeiro.




- Não seja por isso – disse Negão.




Negão chamou Neném Maçarica e pediu-lhe emprestado sessenta cruzeiros. Neném disse que emprestava, mas com juros de cigano: dia, noite e madrugada. Negão que não era boa paga, topou a parada e entregou cem cruzeiros ao zabumbeiro.




Pela primeira vez, o zabumbeiro Dodó participava de um baile na prefeitura de Ipirá, esse era o grande sonho de todos aqueles que ficavam do lado de fora, mas para todos eles, mesmo não entrando, foi uma noite perfeita, pois presenciaram, com seus próprios olhos, um dos embates mais fantástico que já houve nesta terra de coronéis, quando um zabumbeiro destemido bateu as baquetas numa zabumba molhada por lágrimas de um grande homem, o Dodó da Zabumba. Jacinto Limeira, o homem do sapato branco, guardou aquilo na memória.




Um comentário:

Rogerão da tora disse...

VC CARO AGILDO, É O MAIOR CONTADOR LITÉTARIO QUE JÁ VÍ EM IPIRÁ.COM DOSAGEM DE BOM HUMOR E ALGUMAS "CULHUDAS"(É MENTIRA TERTA?)SEUS "CAUSOS" SE TORNA REAL. QUANDO VC CONTOU QUE NENÉM MASSARICA FOI AO CORONEL MADUREIRA E DEU A NEGÃO UMA RESPOSTA DIFERENTE, ME LEMBREI DOS "CABOETAS" DO PSD DE DR.DELORME E OS DA UDN DE DR.HUMBERTO. PARA FAZER "MÉDIA COM OS 2 CACIQUES POLÍTICOS DA ÉPOCA, OS"CABOETAS" FAZIAM FOFOCAS ENTRE SI E DEPOIS CONTAVAM AO SEUS "CHEFES" TUDO DE FORMA DIFERENTE TAL COMO MASSARICA FÊZ.PARA COMPLETAR FA~ÇA LIVROS COM LITERATURA DE CORDEL TAL COMO FAZIA O SAUDOSO RODOLFO CAVALCANTE QUE VENDIA BASTANTE NA FEIRA LIVRE DE IPIRÁ E ERA A GRANDE ATRAÇÃO DO MOMENTO PÓIS ATÉ EU AINDA "MOLECOTE", JUNTAVA O DINHEIRO QUE GANHAVA CARREGANDO AS FEIRAS DAS MADAMES E "TORRAVA" TUDO COMPRANDO OS LIVRETOS DO GRANDE TROVADOR,RODOLFO CAVALCANTE. FORTE ABRAÇO GRANDE CAMARADA.