quinta-feira, 10 de novembro de 2011

HOMENAGEM (parte 9)



Uma pequena multidão aguardava a chegada da marinete dirigida por Besourinho, que parou junto ao Posto Fiscal, que ficava em frente ao Fomento. Desceu um sujeito magro e comprido, que foi indagando à primeira pessoa que encontrou à sua frente:


- Onde é que fica o oceanográfico tanque Véi?



Em volta já havia várias pessoas, até que alguém gritou com certo espanto:


- Ôxe! Esse aí é Dodó de Pijú.



- Mas logo não ta veno! Só porque saiu daqui seis meses, já não sabe onde fica o tanque Véi! – comentou alguém.



- Ôxe! Tá lá no mermo lugar e vamo prá lá agora mermo – completou outra pessoa.



Do ponto da Marinete saiu uma tropa de menino e rapazes em direção ao tanque Velho. Lá chegando, tiraram a roupa e caíram n’água. O zabumbeiro Dodó tinha aprendido a técnica de mergulhar na água e ficar um tempo relativamente longo submerso. Quando Dodó mergulhou e desapareceu, assustou a todos devido à demora. O primeiro pensamento foi que Dodó tinha se afogado e a apreensão dominou o grupo. Meia hora depois apareceu Dodó para eliminar a angústia que havia no ambiente e tirar as devidas dúvidas:


- Eu atravessei o tanque de um mergulho, fui lá e voltei.



A turma ficou perplexa. Menino catingueiro era curioso e sempre acreditava desacreditando, mas por via das dúvidas aguardava uma explicação substancial para tudo que por circunstância ultrapassasse a esfera dos acontecimentos vistos e presenciados de forma a merecer uma explicação:


- Eu aprendi isso com um tubarão, lá no Rio de Janeiro, porque tubarão é assim, se ele for com sua cara ele é seu amigo, se não for ele te come – disse o zabumbeiro Dodó.



Dodó entrava na água, abaixava e ficava prendendo a respiração por um certo período sem sair do lugar, depois emergia para o espanto da turma. Assim sendo e assim fazendo o zabumbeiro Dodó capacitou-se como referência perante a turma para os causos contados e o ponto de encontro era no fundo da Igreja, quando aconteciam os entreveros da oralidade, que era um ponto substancial da alimentação da curiosidade daquela meninada catingueira em sua ânsia de conhecer o desconhecido.



- Oh, Dadai! Traga um sapato mocassim branco pra mim – disse Dodó.



- Tu sabe quanto é que custa um sapato mocassim branco lá na rua Chile? É muito dinheiro. Tu tem condição de pagá esse dinheiro? – indagou Dadai de Genésio.



- Eu tou dizeno pra você trazê um sapato mocassim branco prá mim e prá você não duvidá de minha categoria, vou dizer prá todo mundo, eu vou tocá no baile de São João da prefeitura.



Só em falar em Baile da Prefeitura, o imaginário da turma que estava presente viajava a mil por hora e a admiração pelo zabumbeiro triplicava. O zabumbeiro Dodó virou autoridade na oralidade e transmissão de conhecimento naquela praça de Ipirá. Contando os casos do estrangeiro ou da região, Dodó era um dos enunciadores que mais ouvintes conseguia. Com tudo e por tudo, o menino da caatinga era arisco e a explicação tinha que ser bem explicada, porque justificativa meia-boca não colava.



Quando o zabumbeiro Dodó começava a contar os casos do Paraguai, as atenções ficavam redobradas. Todos calados e com as orelhas em pé, ouvindo aquelas peripécias de quem conhecia porque esteve lá. Os prudentes eram poucos em meio a uma imensidão de incautos, mas sempre ocorria que:


- Oh, Zé! É verdadeiro o qui Dodó conta do istrangeiro? – perguntou Vavá de Cicinho, um menino curioso e inteligente.



- Oxente, Vavá de Cicinho! Se ele tava lá no istrangeiro, ele ta contano o que viu – respondia Zé Augusto de Zeca Dantas.



- Um dia eu vou corrê o istrangeiro prá vê se isso tudo é assim mesmo – afirmava Vavá de Cicinho, com uma certa dose de desconfiança do que dizia o zabumbeiro.



O zabumbeiro Dodó começou a contar um fato acontecido com ele nos últimos dias, que deixou a turma toda meio desconfiada, mas pela seriedade do narrador, a coisa estava mais para ser do que para cair no esquecimento.


- Eu fui até a Caboronga e encontrei uma jaca do tamanho do Volks de Roneib, comecei a comer e levei quinze dias comeno, tô aqui todo impazinado – contou o zabumbeiro.



A desconfiança dominou a todos. O zabumbeiro Dodó tinha caído numa esparrela. Falar da Caboronga, local que a grande maioria conhecia, era temerário. Do estrangeiro, tudo bem, podia mandar como mandasse, não tinha a prova dos nove, mas da Caboronga era mais quinhentos.


- E o bago dessa jaca era de que tamanho? – indagou Vavá de Cicinho.



- Era do tamanho de uma manga de seu Faustino – respondeu Dodó.



- A manga de Faustino parece um mamão é a maior manga que eu já vi, nem a do Jequitibá pode ser comparada com a de Faustino – disse Sabiá de professora Generalda.



- Uma pessoa só não chupa uma manga do Jequetibá, agora imagine quantas pessoas vão chupar uma manga da Caboronga, que é dez vezes maior que a do Jequetibá – argumentou Zé Augusto de Zeca Dantas.



- Aquela manga de Faustino é do tamanho de uma jaca porque a terra da Caboronga é boa demais, não tem terra no mundo igual a terra da Caboronga – afirmou Chico Nú de Chico Souza.



- Não é a terra só não, é a água também, essa água da Caboronga é boa demais, é água mineral e lá tem água de minação que corre direto – acrescentou Luiz Barata de dona Dete.



- Com uma terra boa e uma corredeira de água, molhando os pé di jaqueira não dá outra, eu já vi jaqueira na Caboronga do tamanho de uma palmeira – afirmou Bira de Raimundo.



- E as bananeira? Tem cacho de banana qui prá carregá tem que sê um jegue com quatro jacá, por que senão não dá conta – contou Jorge de Oscarino.



O imaginário popular ia se consubstanciando e deixava como resultado uma aproximação idílica daquela gente com a Caboronga e a convicção de que nada podia alterar aquela exatidão da narrativa, porque é dessa forma que o mateiro se aproxima do catingueiro e o zabumbeiro Dodó entendia disso mais do que ninguém.

4 comentários:

Rodrigo Ribeiro disse...

Parabéns Agildo, sou fã dos seus textos, tem um caso de Dodó que ele conta que foi convocado na Assembléia Legislativa, por um deputado para tomar posse de um cargo na escola em Ipirá, e antes dele chegar em Ipirá a farda já estava na porta da casa dele o esperando, por favor, mas por favor mesmo, pesquise este caso e conte com sua narrativa que terei o prazer de ler, é muito engraçado.

Rogerão da tora disse...

Amigo Agildo, nesse Brasil tão violento e desacreditado,ainda olho para o passado bonito e sem maldade e t^t vendo as caras dessas pessoas que vc cita em seus causos,onde muito já partiram aqui da terra como Sabiá e Jorge da saudosa Professora Generalda e seumarido Oscarino,Roneib Tabelião e tantos outros que endossaram as CULHUDAS de Dodó.Vc é realmente um grande roteirista e deveria contar estórias de outras figuras folclóricas de Ipirá como o grande trovador Bejamim Sampaio e seu irmão Geraldo Alfaiate com sua claça de 40 botões,Amália do Coió a maior CABARESERA do Bar Canecão e suas famosas"DONZELAS" Roque Leão,os mentirosos Dedé de Quincas Mocó e Ramom,Henrique Serenata e tantos outros.Agora pegar jaca e manga nas terras de seu Faustino,era mole;queria saber de Dodó se ele pegaria nas terras de seu Biéca.Um forte abraço desse seu humilde admirador.

Joacy Ribeiro disse...

Agildo,esses "causos"contado por você é uma verdadeira obra prima.Através dessas obras que você relata em seu blog,começo a viajar no tempo e vejo um Ipirá rico em histórias.Precisamos revitalizar tudo isso,e trazer para os dias de hoje,o Ipirá de ontem que muitos desconhecem.Só você mesmo para contar um pouco do nosso velho e bom Camisão e seus personagens anônimos.
Parabéns e continue sempre com esse trabalho!

Lilian Simões disse...

Transformar um personagem simples,sociológicamente falando, em herói protagonista e enriquecêlo com elementos da ficção realista do autor até alcançar a sua mitificação é coisa que somente um bom comunista sabe fazer,eu reconheço.
Beijão, Agildo!