Não posso
falhar nesse artigo, trata-se de reconhecimento, agradecimento, gratidão e, se
bem posto, de ampliação da solidariedade.
A palavra
escrita tem que entrar na medida exata e na forma correta, com toda a força ou
intensidade do seu significado. Tenho que ter a precisão e buscar um sentido
para o texto, que tenha importância e alcance. Não sei por onde começar. Uma
pergunta vem em meu apoio e apresenta-se como um socorro.
Qual é o
bicho que mais mata o ser humano?
A
comunidade científica aponta o hipopótamo, esse brutamonte corpulento e pesadão,
que pesa toneladas, visível a qualquer olhar e merecedor do devido respeito. É
extremamente territorialista; possui uma força descomunal; mata, trucida,
esmaga e esquarteja qualquer estranho que se aproxime.
Os humanos
não constam no cardápio de nenhuma espécie. “As mortes
de pessoas causadas por animais são considerados acidentes”
Neste ano de 2020, um ataque avassalador já matou mais de1 milhão
de pessoas no mundo e mais de 153 mil pessoas no Brasil. Não foi ação do
brucutu pesando toneladas, mas de uma forma diminuta de vida, invisível a olho
nu; infinitamente inferior e primitiva: o coronavírus.
Sem autonomia, aloja-se e esconde-se num hospedeiro para se
reproduzir no interior de células vivas e ali fica circunscrito. No mundo
globalizado, quando acontece a quebra e o rompimento da bolha, ele torna-se um
expansionista avassalador, aí ninguém segura. Da China viajou de carona em
supersônico pelo resto do mundo. Chegou à Crateús, no Ceará.
Arnaldo Barreto Vila Nova
Classe: Professor
Assistente
Função: Coordenador do Curso de Sistemas de Informação
Área de atuação:
Computação Gráfica
Arnaldo Barreto Vila Nova, 34 anos, filho de Eduardo Vila Nova e
Anete Barreto (minha irmã), meu sobrinho e afilhado. Professor da Universidade
Federal do Ceará, unidade de Crateús.
Arnaldo tem uma inteligência perspicaz, com grande capacidade de
assimilar conhecimentos de alta complexidade. Fez mestrado em Recife e
doutorado em Fortaleza, na área de Ciências da Computação e Análise de Sistema.
Se o Brasil fizesse uma seleção das 100 melhores pessoas com conhecimento de
ponta nesta área, sem dúvida, ele estaria entre elas.
Recordo-me de um episódio, em que seu irmão Duda Vila Nova
narrava que Arnaldo abria um livro em que todas as páginas eram exclusivamente
preenchidas por números e que ele olhava-as e soltava um sorriso maroto, era a
confabulação com páginas num entendimento envolvente; era a decifração de uma
codificação numérica complexa, num esforço para apreender a essência da
simplificação da vida. Para ele isso era uma brincadeira de criança.
Em Crateús, Arnaldo foi infectado pelo coronavírus. Era o início
de uma batalha de vida ou morte. Num leito de hospital em Fortaleza travava-se
uma luta ferrenha contra o vírus. A carga do coronavírus tinha o peso de
toneladas e o oxigênio era disputado como o bem mais precioso para a vida.
Um corpo humano sob toneladas de terra procurando ar para respirar.
Uma pessoa caindo num silo gigante de grãos buscando um suspiro para a vida. Um
ser humano soterrado numa mina bloqueada esforçando-se por achar uma bolha de
ar. Um náufrago na agonia do afogamento pedindo com insistência um sopro de ar.
A vida por um fio. Quantos leitos de hospitais tornaram-se um campo de batalha
nessa luta renhida contra a morte por sufocamento? Foram milhões pelo mundo
afora.
Os médicos e enfermeiras do hospital contra a Covid-19, em
Fortaleza, numa dedicação profissional e pessoal obstinada e perseverante se
doaram por inteiro nesta luta da vida contra a Covid-19. Um comprometimento
inquestionável; uma coragem invulgar; um desprendimento generoso; um humanismo
profundo. Arriscando a própria vida em UTIs, expondo-se a risco de se
contaminarem, a bom ou mal sucesso, não arredaram os pés, não desertaram do
campo da batalha. Quantos profissionais da saúde se sacrificaram, até com a
própria vida, nesta batalha contra a Covid-19? A humanidade tem muito que
agradecer e reverenciar aos profissionais da saúde que se colocaram na linha de
frente no combate à Covid-19, botando a cara ao sol.
O ambiente da UTI é de segurança máxima e isolamento completo.
Ficamos na trincheira aguardando o boletim médico expedido diariamente às12 h.
O limite de espaço era extenso (Fortaleza / Salvador / Alagoinhas / Ipirá); o
tempo se alongava de forma demorada; a comunicação era agilizada pelas redes, o
atraso na divulgação de boletins aumentava a ansiedade. Adotei o critério de
não querer a chamada do meu celular antes do boletim. Foram dias de apreensão,
receio e medo. A esperança era
persistente. Quantas famílias vivenciaram os limites dessa fronteira pelo mundo
afora? Milhões de pessoas.
Arnaldo ficou quase 30 dias no hospital contra a Covid-19, em
Fortaleza, sendo alguns dias na UTI. O procedimento médico mais delicado foi a
implantação de um tubo flexível de calibre considerável empregado para conduzir
o ar do respirador pela traquéia. Constantemente, era obrigado a ficar de bruços
para respirar melhor. Em estado de coma induzido ficou inconsciente por dias,
nos quais se perderam as atividades cerebrais superiores, conservando-se a
respiração e a circulação;
Seus órgãos mantiveram certa resistência ao ataque. Agradecemos
de coração à Dra. Luciana, ao Dr. Rafael e ao corpo de enfermagem que atuam na
UTI, em Fortaleza. Os procedimentos médicos, desde o início, quebravam a
volúpia do vírus e fortaleciam o organismo para o retorno à vida.
Quando Arnaldo foi estimulado a despertar ficou agitado e
apreensivo, não se situava naquela parafernália de equipamentos e pessoas
protegidas por equipamentos de segurança. Um áudio de sua companheira Lílian de
Oliveira, também, professora da Universidade Federal do Ceará, trouxe-lhe a
calmaria e um sorriso aos lábios.
Arnaldo estava de volta à vida.
Esse papo de ‘efeito manada’ que algumas pessoas defendem, seria
um sacrifício sem consideração, massivo e de forma discriminada, sem nenhuma
chance para os que possuem um pouco de chance de sobrevivência.
Podemos até dizer que o coronavírus é uma forma de vida inferior
no aspecto evolutivo. Podemos falar que é uma coisa ruim, perversa e cruel
dentro de uma motivação exclusivamente humana, mas dificilmente poderemos dizer
que é uma coisa insignificante, não podemos negá-lo, muito menos discriminá-lo;
ele, também, é natureza. Ele existe e persiste. Se o vírus tivesse um querer,
sem dúvida, só queria o devido respeito da sociedade humana.
O coronavírus continua circulando em busca de um hospedeiro e de
vítimas. A comunidade científica continua a combatê-lo sistematicamente. Os
pesquisadores debruçam-se diuturnamente em busca de uma vacina. O corpo médico
e o pessoal da enfermaria não arredam da linha de frente da batalha contra a
Covid-19. O conhecimento científico é a base de apoio nessa batalha. A humanidade
não pode ficar de vacilo diante do perigo.
Todas as orações, preces, pedidos, súplicas, rezas, falas,
pensamentos, prédicas, solicitações, rogos, promessas, preocupações, apoios, lembranças
e emoções formaram uma corrente positiva e potente com força suficiente para
formar um lastro de solidariedade humana neste e nos milhões de casos mundo
afora.
“Eu nunca pensei em sorrir para um copo com suco pastoso de
acerola” disse Arnaldo, que incomodado exclamou mais tarde: “Chega desse troço
no pescoço me machucando e tosses insuportáveis!” Que alegria e felicidade para todos nós! Arnaldo venceu a Covid-19.