segunda-feira, 30 de agosto de 2010

HOMENAGEM (parte 5)


Sábado, a partir das 19 h, em Ipirá, era noite de quermesse movida por programa de calouros, leilão, bingo, rifa, teatro mambembe e outras fuzarcas, de modo que, a população apreciava de bom grado. Tudo isso era organizado por Roque Leão com o objetivo de angariar fundos para a compra de presentes, que seriam distribuídos com as crianças carentes da cidade, na noite de natal.

Logo pela manhã, em frente ao estabelecimento de Paulo Marinho, local que servia de ponto para a marinete, que fazia linha entre Feira de Santana e Rui Barbosa e era guiada por Besourinho, saltou um sujeito franzino, de pequena estatura, carregando uma sanfona nas costas: era Isaac, que vinha do Bravo. Logo, deu de frente com o menino Dodó que perambulava pela área, observando o movimento proporcionado pelo burburinho provocado pela marinete.

- Tu sabe disafronhá esse sete-baixo ? – indagou o menino Dodó.

- O freguês é quem incomenda a missa, o istribucho eu aprumo – falou Isaac.

- Já vi que de prosa vosmicê tá nus conforme, agora eu me intendo como o melhor zabumbeiro de Ipirá e prá deixá de conversa mole disapei essa istrovenga e me tire um dó de lá menor e arranque um Asa Branca do meu mestre Gonzagão prá eu vê se vosmicê é do ramo – disse o menino Dodó, que ficou na escuta do acorde.

O menino Dodó acertou com Isaac para participarem do Programa de Calouro daquela noite, que seria realizado no meio da rua, em frente à loja de seu Júlio Dantas. O Programa de Calouros reunia as melhores vozes da cidade: Zeco de Arlinda, Nane, Pedrito, Raimundo de Pijú, Ivambergue e o vencedor de toda edição, Delsuc Dultra, a voz mais querida e apreciada de Ipirá.

O menino Dodô fez a inscrição no bar de Roque Leão e dirigiu-se para a Praça da Bandeira, parando em frente ao local onde Zequinha Guarda alugava bicicleta e foi conversando com uma penca de meninos: Bua, Zé Grilo, Tonho Bocão, Babão, Luiz Barata e outros mais:

- O prêmio de hoje é comida de granfino, vai ser um queijo de cuia, se eu ganhá, cada um de vocês vai pegá uma lapada de queijo – compactuava o menino Dodó.

Quando começaram as apresentações dos calouro não havia mais espaço junto à carroceria do caminhão, enfeitada de bandeirolas de papel crepom. Raimundo de Pijú apresentou uma modinha de Juca Chaves com muito estilo e sarcasmo:
“ Cagar é bom quando a gente tá em paz,
Ouvindo n’água o som,
Que a merda caindo faz.
Cagar molinho,
Cagar durinho,
Cagar soltinho”...

Chegou a vez do trio: Isaac na sanfona, Guri no triângulo e o menino Dodó na zabumba. Na primeira batida do menino Dodó, a renca de menino começou a gritar: “já ganhou, já ganhou... é Dodó e ninguém tira... ei, ei, ei, Dodó é nosso rei... é primeirão, é primeirão”

Logo em seguida chegou a vez de Delsuc Dultra apresentar um bolero que era cantado por Altemar Dutra e na voz de Delsuc ganhava vida e força, fazendo a platéia enxugar as lágrimas dos olhos:
“Alguém me disse
Que tu andas novamente
De novo amor
Nova paixão toda contente
Conheço bem tuas promessas
Outras ouvi iguais a essas”...

Quando o organizador começou a anunciar o resultado, o silêncio era predominante, com palmas e protestos após cada anúncio. “Em segundo lugar, esse menino prodígio de Ipirá, essa figura espetacular de nossa cidade: Dodó da Zab”. Não conseguiu terminar o resto. A penca de menino começou a vaiar e atirar pedras, areia, terra e o que tivesse nas proximidade em cima do caminhão, atingindo os jurados e o organizador Roque Leão, que desceu para pegar uma arma na boléia do caminhão.

A penca de meninos subiu na carroceria. Roque Leão pegou uma espingarda de chumbo. A luz apagou naquele justo momento, porque as luzes da cidade eram apagadas às 11 h da noite. Ouviu-se o primeiro tiro. A polícia chegou, com o delegado Zé Roque à frente e disparando chumbo. O menino Dodô desceu desembestado, seguido por Isaac e Guri em direção à Praça da Bandeira, rua Riachuelo. Aumentaram os tiros. Quanto mais o trio do menino Dodô ouvia tiros, mais as pernas corriam. Passaram perto do tanque Velho e ganharam a caatinga. A polícia perdeu a pista. Roque Leão bufava de raiva e espumava ódio pelas ventas.

O trio do menino Dodó passou três dias andando pela caatinga, sobrevivendo à base de queijo e água de gravatá. Chegaram à Pintadas e procuraram a pensão de dona Amália, que de forma hospitaleira franqueou hospedaria para aqueles ilustres visitantes e em conversa dizia:

- Aqui em Pintadas, chegou umas conversa, qui ta nas boca do povo, qui im Ipirá, teve uma tiroteio, qui tem bala zunindo até hoje, qui até a puliça quis pegá uns metraquefe qui apareceram pur lá, diz o povo qui chuveu bala até umas hora.

- Foi mermo dona ! ainda bem qui eu não sei nem onde fica esse lugá. Onde é mermo que fica esse lugá, dona ? Eu não quero nem passá perto de um lugá desse. Dona ! lugá de valentão num é comigo não, embora eu num sou sujeito de tê medo nem de onça com boca de jacaré. Como é o nome desse lugá ? Ipi o quê ? Te discunjuro, lá ele é que quer tocá num lugá qui só tem onça. Quem vai lá é o cão não eu – disse o menino Dodó com a cara mais lavada desse mundo.

domingo, 22 de agosto de 2010

OS VERDADEIROS CANDIDATOS DE LULA.

OS VERDADEIROS CANDIDATOS DE LULA.

Esta frase ou pérola (OS VERDADEIROS CANDIDATOS DE LULA) eu saquei do Comitê do PT de Ipirá. Se eles apresentam os verdadeiros candidatos de Lula, naturalmente, os outros são falsos, ou melhor, são candidatos do Paraguai. Então existem candidatos falsos e verdadeiros e, sendo assim, os verdadeiros candidatos serão sempre amigos, confiáveis e sinceros. Os falsos serão duvidosos, infiéis e desleais.

Naturalmente, compete aos “verdadeiros candidatos” a fidelidade extrema e incondicional, fato que o PT de Ipirá defende de forma intransigente, desde quando, seja uma lealdade a eles, até mesmo no erro. Vamos aos fatos: André e Tineck não seguiram a aliança que eles fizeram no município e foram demitidos do CIRETRAN. Por incrível que pareça, André e Tineck continuam fiéis ao governo do presidente Lula e do governador Wagner. Se são fiéis são verdadeiros, mas o PT de Ipirá diz que foram falsos.

Baseando-me no princípio de candidaturas verdadeiras e falsas criado pelo PT de Ipirá faço a apresentação de alguns problemas gerados por tal conceituação, senão vejamos: Primeiro, se o PT retroagir de sua aliança com os macacos e voltar para uma posição de composição mais à esquerda, naturalmente, estará dando uma demonstração do vacilo e erro cometido, assim acontecendo, estará também passando o certificado de que André e Tineck estavam certos e foram verdadeiros ao não abandonarem a fronteira, enquanto isso o PT de Ipirá migrará da sua verdade para a falsidade, a não ser que, a verdade do PT de Ipirá seja absoluta e irredutível, neste caso, eles atingiram o estado celestial da perfeição. Cruz-credo! Chegaram ao céu da boca da onça.

Segundo: já que o PT de Ipirá foi para a macacada, naturalmente, podem, mas não devem pleitear uma candidatura a prefeito de Ipirá pelo grupo da macacada, dentro do ponto de vista de candidatura verdadeira e falsa, porque o verdadeiro candidato neste espaço da politicagem é um candidato macaco, uma candidatura do PT de Ipirá neste espaço da politicagem será, naturalmente, uma candidatura falsa, porque uma candidatura dos macacos para ser verdadeiramente macaco tem que possuir o pedigree, puro-sangue e ser amigo, confiável e sincero ao grupo da macacada. Uma candidatura falsa será infiel, duvidosa e inconfiável. E macaco para confiar num PT que ainda fica nessa de candidatura verdadeira e falsa só se for doido. Cruz-credo ! o PT de Ipirá ainda está nessa. A verdadeira candidatura de Lula no Maranhão é da turma do Sarney. E daí ? É a governabilidade. Enquanto isso o PT de Ipirá fica no céu. No céu da boca da onça.

Terceiro: em Ipirá, tem candidato comprando voto com cinco litros de feijão e dois litros de suco vindos da CONAB. Esses candidatos são candidatos verdadeiros. Não sei se da verdade pretendida pelo PT de Ipirá, mas que são candidatos verdadeiros são. Conclusão: só no céu da boca da onça é que existe esse negócio de “os verdadeiros candidatos de fulano ou de beltrano”. PT de Ipirá! É vida que segue e vocês ainda estão nessa.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

HOMENAGEM (parte 4)


O menino Dodó recebeu a notícia de que não podia nem passar na porta do Coió de Anália, muito menos, entrar e muito menos ainda, fazer budegagem em seu interior. Foi considerado persona non grata, o que não deixou de ser um desmerecimento e uma injustiça, ainda mais, levando-se em conta o propósito que espalharam para o impedimento do menino Dodó na área. Disseram e espalharam que o menino Dodó comia e não pagava. O menino Dodó não deixava por menos e retrucava à altura:

- Eu tô lá mi incomodano com isso; eu tô acustumado andar no Maria da Vovó em Salvador, vou tá lá mi incomodano com a proibição de intrá nessa ispirigueta.

Na verdade, o menino Dodô não conhecia Salvador ainda, mas ouvia as estórias de Dadai de Genésio, o Internacional, e não perdia a oportunidade de reproduzi-las de forma apimentada e com sua vivência a tonalidade de veridicidade era requentada.

Sendo um exímio zabumbeiro não lhe faltaria oportunidade e o convite veio da boca do sanfoneiro Chiquinho do Acordeão:
- Escuta aqui, ó minino! Tô na pricisão de um zabumbeiro do queixo largo, qui num seja ismoricido; nem molenga nas baquetas; qui tenha ripuxo nas munheca e batida de sino de paróquia prá podê mim acompanhá nos minuetos do acordeão, se é qui vosmicê intende do riscado.

- Eu não só intendo, cuma no capricho da modinha eu dou é dez parmo de distança prá qorquer sanfoneiro pidir pinico – disse o menino Dodó, cheio de si.

- Deixa lá qui eu gostei do teu atrivimento, mas bigorna de cabeça virada não tem primazia; minino de colo, amarelo e remelento, não pode receber ventania na caixa dus peito e o cabra só é valente inquanto num vê uma lapada de viana por riba do lombo. Tô isperano vosmicê no Armazém Estrela do Norte prá gente butá prá ferver no amola viana.

O forró do Armazém Estrela do Norte, de propriedade de Gil Mamona, que ficava onde hoje está o estabelecimento comercial de Deco, na rua Nova, era concorrido e a sociedade ipiraense participava em peso daquele esfrega-bucho sem a menor cerimônia ou preconceito e a mistura social era um congraçamento, sendo que as mocinhas da sociedade caiam no esmero dos presentes por mais humildes que fossem e tudo nos conformes da maior respeitabilidade.

O salão do Armazém Estrela do Norte estava lotado. Os que dançavam esbarravam uns nos outros; o suor escorria; as faces estavam úmidas. Lá pelas tantas, por uma porta entrou Euclides Plácido, pela outra Jonguinha, ambos deram uma volta pelo salão em busca de um par para a dança. Aproximavam-se e saiam deslizando pelo salão, cada qual com sua escolhida. Os casais retraíam-se e iam para as laterais. O sanfoneiro Chiquinho do Acordeão olhou para o zabumbeiro Dodó e disse-lhe:

- É agora filhote de Caboré qui eu quero vê se vosmicê acompanha uma sanfona virada da disgraça.

- O qui vié daí prá mim é peido de veio, vou botá tudo na garrafa – disse o zabumbeiro.

- Intonce, sigura zabumbeiro qui o capeta num leva disaforo pru inferno.

Começou com Brasileirinho; passou para ... “sonhei que estava em Moscou, dançando um” ...”atrás do trio elétrico só não vai quem já morreu”... “corre, corre lambretinha”... “tava o sapo cururu, tava a rã e tava a jia, tava tudo preparado pra fazer a” ... “balançando a cabeleira, um olho só procurando por um”...

Só dois casais no salão, ambos em pleno ápice. Euclides Plácido virava um peão no giro, para logo transformar-se num eixo, que fazia com que a acompanhante girasse reta e cintilante em torno de si, para isso, sustentava-a pelos braços; descia, subia, girava, como carrapeta; era sublime no passo e no deslizamento. Todos ficavam perplexos.

Jonguinha tornava-se um gigante na passada ao suspender a parceira e ao jogá-la para o alto, criava um suspense e arrancava suspiros; seus braços era uma rede protetora e de alto perfeccionismo para o enlace. O seu desempenho era gracioso e solene. Os presentes ficavam boquiabertos e pasmos.

A outra batalha era cruenta. A sanfona deslizava em mãos ágeis. O som cavalgava no dorso de um velocíssimo alazão, que deixava o vento para trás e tinha a aparência de um raio.

O som da zabumba saia inigualável e na ligeireza cadenciada. Estava grudado no lombo de uma pantera negra, que se embrenhava no tempo e rasgava o espaço sem pena nem dó, deixando só o vulto como rastro.

Por ironia do destino, a dança ninguém sabe quem ganhou, mas na peleja do som, a última batida foi da zabumba, que se apresentou tão forte e tão penetrante, o suficiente para imitar o último esforço de um coração para não deixar a vida.

A música parou. A dança esgotou-se. O sanfoneiro Chiquinho do Acordeão faleceu em pleno ato de reverência à vida. Um segundo antes, conseguiu colocar a mão no ombro do zabumbeiro Dodó e disse-lhe sua última frase:

- Não pare a zabumba, que eu estou entrando no céu.

O zabumbeiro Dodó marcou o tom grave, forte, cadenciado e triste do velório e foi assim, até o momento em que foi jogado a última pá de terra sobre o caixão em que estava Chiquinho do Acordeão. Foi uma solene despedida da zabumba para aquela sanfona, que foi brilhante nas mãos de Chiquinho do Acordeão. Foi um grande encontro.