sexta-feira, 23 de novembro de 2007


UNHA ENCRAVADA.

Abrem-se as cortinas no sertão ipiraense; no cenário, aparece a terra nua à mostra, o chão está rachado e esturricado; e neste instante, recomeça, novamente, o velho e surrado drama: a seca. Invariavelmente, ainda não aprendemos a lição da convivência com esta milenar incidência, que fica ao crivo das possibilidades individuais de cada personagem envolvido. O drama trágico desenvolve-se na angústia sentida pelo ser humano catingueiro, encravado nesta situação, que se vê negativado diante dos grandes problemas colocados à sua capacidade de ser gente e devido ao temor de desintegrar-se no nada. Aí, fica olhando para o céu em busca da ajuda divina e esperando que a natureza atenda
com abundantes chuvas as suas preces.

Enquanto as chuvas não caem, a nordestina indústria da seca faz a festa e suga a seiva que ainda resta. A estiagem chupa as reservas de água e a necessidade de água para beber passa a ser um tormento para o ser humano catingueiro. Aqui, o drama vira uma tragédia diabólica, porque os olhares ficam esperando o "Água para todos" e todo ser vivente está enfastiado de saber que a burocracia traceja com a desgraça humana e alheia, sendo que, neste triste cenário desenrola-se o já batido enredo das mulheres e crianças com latas de água nas cabeças; dos carros pipas atendendo às filas de gente com vasilhames, numa cena tão costumeira e de uso geral, que pouco importa ao sertanejo pagar o bem ou todo direito com o que se deposita nas urnas em tempo de eleições. Até as cisternas, que são reservatórios que atendem as unidades familiares, estão lacradas a diversos interesses e não consegue deixar de lado essa moeda de troca, e aconteceu até casos, em que o candidato que influenciou para que se fizesse a cisterna, perdesse o voto para o candidato que colocou a água na cisterna, que ele não influenciou para que fosse feita. Essa é a engrenagem em que está o ser humano carente da caatinga. Tudo é política, politicagem, favores, dependência, cabresto e unha encravada.

A base econômica do município de Ipirá é a pecuária. Na estiagem, essa base começa a declinar. Toma dimensões trágicas porque é formada por pequenos proprietários, sem apoio, carentes de recursos e de técnicas de convivência com a seca e sem capacidade para quitar dívidas sem dificuldades; mesmo nas unidades produtivas mais organizadas e preparadas para o enfrentamento da estiagem, esse é um período em que ocorrem perdas das reservas obtidas nos tempos mais favoráveis, assim sendo, esvaem-se as riquezas dos produtores e do município. Os carentes de recursos fazem das tripas, coração, e estendem as mãos em busca de uma ajuda. Poucos aguentam o tranco; só aqueles que retiram recursos de outras atividades para sustentar a pecuária, suportam a peleja. É uma fase de baixo ou nenhum rendimento e muita e alta despesa. É uma coisa que está amarrada no mourão de cada fazenda. Como um município pode prosperar com uma economia tão frágil e precária como esta ? Como um município pode ir para frente com uma base produtora tão vulnerável como essa ? Como um município pode aguentar o tranco, quando a esmagadora maioria de seus produtores rurais não possuem recursos para auto-sustentar-se ou nestes momentos, só fazem dilapidar a sua base de sustentação ?

Dessa dramaturgia barata da vida sertaneja, desponta os dramalhões de sempre nesse encantado reino ipiraense, quando a Prefeitura Municipal recebe 1 milhão de reais de convênios: 877 mil reais do Ministério do Turismo/CEF/TUR para a construção do mercado eventos pavimentação de vias/ruas em Ipirá – 130 mil reais do Ministério das Cidades/CEF para infra-estrutura urbana comunitária e apenas 740 mil reais para reformar o matadouro de animais, uma obra necessária, elementar e urgente para salvar a pecuária local. Não é uma inversão de prioridades ?

Mesmo vivendo um momento crítico para a economia do município, a preocupação está voltada para a feitura da praça mais bonita do interior da Bahia, para o deleite dos olhos que brilham com as flores na primavera, mas que, muitas vezes, não conseguem enxergar os galhos secos da vida e, também, daquelas pessoas que ouvem música estrangeira e a suadeira, mas que não se tocam com o que está em sua volta, porque estão cagando para o mundo. Dessa forma a realidade é o que é; depois não digam que a seca é crua e cruel.
O drama prossegue seu lento desenrolar. A pecuária de Ipirá, com seca ou sem seca, mastiga grandes dificuldades e está tomando uma topada que pode tirar-lhes os pés, porque está fechada em vontades estranhas às suas estruturas íntimas, que são sinuosas e frágeis, por isso precisam de mudanças, como o matadouro e um parque de venda de animais, coisas que não têm em Ipirá, mas a unha está encravada

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