quarta-feira, 20 de novembro de 2024

EXCELENTÍSSIMO SENHOR LADRÃO

Senhor ladrão.

Escrevo essas mal traçadas linhas para glorificar Vossa Excelência. Não sei quem é o senhor; nem onde é sua casa; nem sua altura; mas sei que o senhor mora na região do Rio do Peixe e exerce uma profissão digna, notória e necessária: ladrão.

 

Nada mais exemplar do que uma profissão tão elevada, relevante e sublime como a que o senhor exerce com tamanha desenvoltura: ladrão.

 

Sua profissão de ladrão é nobre, decente e contagiante, apesar do preconceito que carrega e de ser malvista na sociedade, mesmo assim, é a que mais cresce no país.

 

Para sanar uma injustiça, o INSS deveria pagar a aposentadoria por tempo de serviço para a profissão de ladrão. Uma vez aposentado, ficaria proibido de exercer a profissão, se o fizer será preso. Nada mais justo!

 

Na madrugada do dia 14 de novembro de 2024, na calada da noite, o senhor com sua agudeza de espírito, manha e malícia adentrou no chiqueiro de minha propriedade rural e surrupiou dois carneiros.

 

Não desmereço a sua virtude e grande qualidade para o roubo. Na madrugada, o senhor travestiu-se de sombra da noite e mostrou elevada aptidão para compreender e executar a sua tarefa com afinco e eficiência. Não deixou rastro, nem vestígios. Fez a coisa bem feita e dois carneiros foram afanados.

 

Quando a sombra da noite adentrou no chiqueiro a carneirada assustou-se em grande desespero com aquela figura medonha e diabólica (para os carneiros) querendo cercá-los para pegá-los. No grande furor, os carneiros brocaram a cerca e dois ficaram para trás. A sombra da noite conseguiu segurar e passar a mão em dois carneiros.

 

Resta-me o apelo: senhor ladrão! Pelo amor que o senhor tem por sua mãe ou por algo sagrado para sua pessoa, devolva os dois carneiros e resolva o problema dos carneiros que ficaram, desde quando, estão assustados e estressados, berrando de forma continuada num berro miúdo e triste, pela ausência de seus dois irmãos de raça. É uma pena.

 

Senhor ladrão! Imagino que o senhor não é um qualquer, não é um ladrão borra-botas, pé de chinelo e bangalafumenga que fica por aí roubando arame enferrujado, galinha sem dente e qualquer porcaria. Não. O senhor, ladrão de meus carneiros! Não, o senhor só rouba coisa boa, não fica por aí roubando ovelhas perebentas.

 

Agora, senhor ladrão dos meus carneiros! O senhor é uma pessoa inteligente, que planejou e executou um roubo extraordinário, sem cometer uma só falha, sem deixar uma só pista; assim sendo, eu tenho que considerar o senhor uma pessoa não só inteligente, mas muito inteligente e esperta; mas, se o senhor não usar a sua inteligência e a sua esperteza para o seu bem; o senhor vai viver eternamente na pindaíba, sempre na precisão de roubar meus carneiros, quando, na verdade, o senhor tem inteligência para ser ladrão das ovelhas de Cristo ou um ardil ladrão de banco e viver sossegado como um ‘bon vivant’ rico e próspero, como um bom ladrão e não precisará meter a mão no meu chiqueiro.

 

De certa forma, tenho que ter muita gratidão ao senhor, sr. ladrão! O senhor não rapou meu chiqueiro, só levou dois carneiros. Sou grato, por isso! Pensando bem! O senhor não leve a mal a forma como estou lhe tratando, chamando-o de senhor, com o furto de dois dos meus carneiros e o seu hábito de roubar, o senhor adquiriu um status maior na sua larga caminhada, devido a tal, passarei a tratá-lo como Vossa Excelência Ladrão de meus carneiros.

 

Não custa nada fazer um pedido a V. Exa. ladrão de meus carneiros: por favor, devolva meus dois carneiros? Só quero os dois e nada mais!

 

Não desejo nada de ruim à V. Exa. Que o senhor viva sempre de boa, tranquilo e sossegado. Que V. Exa. prospere na cadeia evolutiva: que saia da condição de rato e atinja uma posição mais graduada na condição humana, como um ladrão com terno, gravata borboleta e quiçá, uma cartola na cabeça, que chegue ao entendimento de que roubar pouco não vale a pena e deixe meu chiqueiro em paz.

 

Gostaria que essa carta chegasse ao seu conhecimento, mas tenho noção de que o que foi roubado não será restituído, mas aproveito a oportunidade para lhe passar as dificuldades do pequeno criador de caprino e ovinos no município de Ipirá: todo ano é ano de seca, isso é uma constante; as chuvas são escassas; a alimentação é precária; o custo de sustentação sobe; o cuidado redobra; as doenças aparecem; na cidade não tem um local decente para a venda dos animais; tem o ataque dos cachorros-vampiros e de sobra ainda tem os ladrões (não estou falando de V. Exa. não, são outros). Tenha piedade e esqueça o meu humilde chiqueiro, quando a coisa ficar boa do lado de cá, eu faço um comunicado à V. Exa. através de nota pública.

 

Sem mais para o momento, obrigado pela atenção e assino: AB
 

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